PARALELAS E TRANSVERSAIS
Horror em Amityville, de Andrew Douglas
A Chave Mestra, de Iain Softley


The Amityville horror, EUA, 2005
The skeleton key, EUA, 2005


Na matriz dramática de Horror em Amityville e A Chave Mestra, está a tradição da fabulação macabra centrada em espaços fechados. Ambos são filmes de casas mal-assombradas, como aliás é o filme de apartamento de Walter Salles, Água Negra, meio drama familiar-imobiliário, meio terror fantasmagórico de ambiente. Nesses filmes, mais importante que a causa da ameaça, sem dúvida, é a flutuação da câmera pelos ambientes. Nosso estado de aflição não derivará da cara feia de uma criatura monstruosa ou das provas de poder das entidades sobrenaturais, mas sobretudo das escolhas do diretor sobre o que será nos dado a ver (o campo) e a não ver (o extracampo). Mais importante na busca de tensão que a imagem explícita, conseguida pelas mãos de maquiadores, cenógrafos e técnicos de computador, é a abertura maior ou menor do plano, a revelação ou omissão de algo visto pelo personagem, a decisão de enxergarmos menos ou mais do que quem está em cena, com a vida em risco. Enfim, todas estas decisões que caracterizam a direção, seja genericamente ou na prática, levando-nos a temer o não-visto – a profundidade de um corredor, portas fechadas e um ponto escuro no qual se pode indentificar forma alguma. É fundamental nesses filmes concentrados em ambientes sinistros a manutenção do mistério desse ambiente e da expectativa de quem assiste. Também é de bom tom primeiro visualizar alguma ordem no local antes de pôr em xeque essa falsa harmonia: terror tem de pôr em crise a percepção de quem o vive.

Horror em Amityville opta por caminho diferente. Temos de cara um clímax, que nos é ofertado como prêambulo, composto por imagens brutais, montadas em ritmo acelerado, com planos muito curtos e captados com luz de rasgado articialismo. Um cara mata a família toda em sua casa. Ouvia vozes. Voltaremos a essa casa macabra minutos depois. Os novos moradores dela são de uma família em processo de reorganização. Mulher viúva, realizando o sonho da casa colonial própria (em Long Island), e seu namorado, que, embora temendo a dívida feita com a compra do imóvel, decide dar esse passo na vida, mesmo sabendo do passado mórbido do lugar.

Problemas, antes mesmo do primeiro fantasma aparecer, eles têm: os filhos dela não morrem de amores por ele. Dado o cenário familiar, que poderia render tratamento mais interessante para se constituir um bom nicho dramático para o filme, resta mostrar fantasmas. E lá estão eles: horrorosos, agressivos, vingativos, repugnantes. A opção do filme é pela exposição frequente, pelo arquivamento das possibilidades lógicas, pela suspensão da verossimilhança (base do terror), pela aposta completa no excesso e no absurdo. A parede sangra, objetos se movem, o padrasto dos meninos passa a ter dupla personalidade por culpa do espírito do assassino, a filha da viúva conversa com uma menina morta – tudo pode acontecer, acontece mesmo e vai nos conduzindo à banalização do absurdo. Nem mesmo a valorização do porão da casa como espaço nuclear da ameaça surte muito efeito depois de algumas repetições da mesma maneira de filmá-lo.

A Chave Mestra opta por uma revelação mais progressiva da causa da ameaça. A vítima: uma jovem enfermeira (Kate Hudson) com peso na consciência por não ter cuidado do pai morto antes dele morrer. O cenário: um casarão no meio do pântano no Sul dos EUA (próximo a Nova Orleans – o que torna o filme curiosamente contemporâneo aos horrores do mundo real da atualidade). Seus clientes: um velho entrevado na cama e a mulher rabujenta dele. O mistério: espelhos cobertos, uma porta fechada. O sobrenatural: imagens nesses espelhos de um casal de fantasmas, praticantes de rituais mágicos executados na casa muitos anos antes.

Pouco veremos dessas imagens e, em vez de limitar-se a transitar por escadas e sotãos, a câmera circula pelos arredores. Veremos assim a extensão do poder ameaçador do ritual mágico, como ele afeta outras pessoas na região, como existe uma iconografia em torno desse enigma. Como não sabemos ao certo o que podem e o que desejam os espíritos, tendemos a temê-los mais que tememos os fantasmas de Amityville. No entanto, por falta de medida ou por ironia, a narrativa descamba. Para nos fornecer a visualização de evidências do caso de possessão ao qual somos conduzidos, o filme transformará personagens com algum enigma em caricaturas de psicopatas dos suspenses mais vagabundos, só se redimindo da esculhambação completa por um final ímpar que, inusitado, pode obter certo estranhamento do espectador.

A diferença entre Horror em Amityville e A Chave Mestra não se resume a essa diferença de opção entre mostrar muito (caso do primeiro) e adiar a imagem reveladora (caso do seguinte). Operação ainda mais oposta é a desenvolvida por cada um deles sobre a crença dos personagens na ruptura do mundo deles com o racionalismo científico. Em Amityville, o personagem do padrasto, depois de ver e ouvir coisas muito estranhas, reage como se nada tivesse acontecido, naturalizando essa ruptura com a apreensão normal da vida. O sobrenatural é tratado com indiferença. Talvez seja só uma forma de nos induzir a ver o personagem como figura ligada ao espírito maligno pelo qual será progressivamente possuído. Mas é uma opção diluídora do desconforto. Em A Chave Mestra, ao contrário, a heroína, quando começa a investigar o mistério da porta fechada e dos espelhos cobertos, entra em crise. Ela não é mística, mas tampouco teme ir mais fundo em sua investigação. Por isso, quando se depara com fatos realmente sinistros, tem de se esforçar para, em uma situação limite, manter a razão de pé. Toda a questão final está em crer ou não crer no sobrenatural. E essa descrença dela, que aos poucos vai se esvaindo, fortalece o desconforto.

Os dois filmes se igualam, porém, na dependência do som. Talvez por não pensarem com algum rigor sobre como agir com a câmera, dependem muito de impactos sonoros e sons de tensão mais ou menos frequentes, para nos lembrar sempre que estamos assistindo um filme de terror. É inegável a importância do som na manutenção de expectativas nesse segmento, assim como nos sustos pregados, mas nos dois casos essa utilização é clara compensação para uma fragilidade da imagem como força dramática, para um “dar de ombros” da montagem na escolha dos planos a esticar, e para a ignorância sobre os efeitos do silêncio na elaboração de atmosferas assustadoras. No caso de A Chave Mestra, ainda se busca uma surpresa. No caso de Amityville, aposta-se que, atendendo a expectativa do espectador de forma previsível, ainda é possível, como em uma descarga aguardada, promover alguns choques. Às vezes, sim. Mas, na maioria das situações, o filme passa longe disso. Não há espaço para enganadores medianos nas enganações do terror: se é para enganar a crença, tem de enganar muito bem.

Cléber Eduardo