BEM-VINDO AOS FILMES DO SAL GROSSO

Para além do interesse que um projeto como o Sal Grosso desperta já de início, por se tratar, certamente, de uma das experiências (principalmente do ponto de vista da estrutura de produção) mais interessantes do cinema universitário brasileiro, aos vermos os quatro filmes já produzidos pelo projeto nosso otimismo em relação ao que ele ainda pode vir a ser apenas aumenta – e aqui já fica a crença de que este é um projeto que ainda vai crescer muito. Uma equipe reunida a partir de destaques na competitiva de curtas do Festival Brasileiro de Cinema Universitário – tendo o Rio de Janeiro (leia-se a UFF) como ponto de referência e encontro –, cada escola se encarregando de uma função, diferentes escolas, diferentes pensamentos de cinema buscando convergir para um mesmo conceito dentro de uma mesma obra: isso já é motivo de sobra para nos interessarmos pelos filmes. E o resultado -- a despeito de toda dificuldade que uma empreitada multi-regional e feita dentro do esquema baixo-custo do cinema universitário impõe – são filmes bastante arrojados nas suas opções estéticas.

Dois fatores saltam aos olhos: a incrível diversificação que o projeto conseguiu apenas em quatro edições e a incontestável articulação estética dos filmes. Em nenhum deles se nota uma "dispersão da produção"; tudo parece muito interconectado e familiarizado. De GOD.O.TV, primeiro fruto do Sal Grosso, a Sobre a Maré, recém estreado no último FBCU, nota-se um percurso que oscila da proposta neo-beckettiana de Carlos Dowling à abstração urbana de Guilherme Martins, passando pelo documentário jazzístico de Luciana Tanure (Procurando Falatório) e pelo mini-melodrama de Marco Dutra (Concerto nº 3).

Concerto nº 3 fragmenta a sua narrativa para mostrar, variando o ponto de vista de acordo com o membro da família, o momento em que uma mulher descobre que está com câncer (numa visão de classe média que passa a milhas de distância da acidez com que a produção universitária está acostumada a tingi-la). Embora desigual no seu andamento e nas suas atuações, o filme de Dutra guarda no mínimo dois belos momentos: o plano do filho olhando fixamente para um muro descascado (e o plano dele depois chegando em casa) e, como não poderia se deixar de citar, o plano final com pai e filho catando na rua as partituras que a mãe esquecera sobre o teto do carro, com o piano tocando ao fundo, distante e próximo.

Também fragmentárias são as narrativas dos outros três filmes: a estética propositalmente over de GOD.O.TV contrastando com seu "nada acontece", com o filme por vezes se perdendo na sua pura vontade de ter estilo; a poética polifônica de Procurando Falatório, filme bastante interessante que mergulha no manicômio de Juliano Moreira, em Jacarépaguá, para resgatar do limbo versos sofridos e cortantes, num tipo de registro totalmente pautado na vida intensa que exala do ambiente (nada de miserabilismo ou denúncia rasa); Sobre a Maré e seu clima de fábula urbana, com uma concepção gráfica e um trabalho de câmera que criam uma obra bastante imersiva e plasticamente admirável.

O melhor do projeto, portanto, é que ele não vive só da grandiosidade de sua proposta (essa louvável integração das escolas de cinema do país): ele agora vive também graças a um corpo já constituído por filmes, e esses filmes transmitem uma vibração cativante, como um gesto coletivo mesmo. Diante disso, resta-nos aguardar para dar as boas vindas ao próximo filme do Sal Grosso.


Luiz Carlos Oliveira Jr.