EM BOA COMPANHIA
Paul Weitz, In Good Company, EUA, 2004

Sentimentalista em amadurecimento, narrador com dificuldades de levar adiante uma estrutura reaproveitada, diretor de atores desigual no espaço cedido aos personagens, Paul Weitz dá prosseguimento a uma obra claramente pensada em termos de desfazer os tons maiores dos gêneros com que flerta. Em Boa Companhia retoma a narrativa de transmissão de Um Grande Garoto, seu filme anterior. A diferença, no entanto, é que antes era preciso fazer o personagem de Hugh Grant sair de sua “ilha” (ele adorava inverter para si a frase “Nenhum homem é uma ilha”), o que basicamente significava fazê-lo desistir de dilatar a adolescência e se tornar de vez adulto, enquanto Em Boa Companhia trata justamente de fazer Carter, personagem de Topher Grace, recuperar a etapa que pulou, interromper sua ascensão profissional precoce e passar pela transição de que todo homem precisa para descobrir o que realmente quer fazer da vida. O que está em jogo, de um lado e de outro, é o antigo rito de passagem do enredo de filme adolescente. Só que num caso é um rito tardio catalisado pela presença de uma criança, e no outro caso é o jovem que justamente havia pulado a passagem e ido direto para a vida adulta, e que descobre esse rito através da convivência com um homem que tem o dobro de sua idade. Exatamente o mesmo desenho de Um Grande Garoto: dois personagens masculinos de gerações completamente diferentes que se estranham num primeiro momento para depois se descobrirem transformados um pelo outro, enquanto uma série de personagens femininas gravita em torno deles. No final tanto de um quanto de outro filme, os dois personagens estreitam ainda mais o laço, se tornam meio que parentes sem co-sangüinidade.

Empenhado em gerar simpatia por personagens apanhados em meio a fracassos pessoais, Paul Weitz gosta de encenar o antitriunfo: os momentos que equivaleriam à famosa “volta por cima” dos personagens são represados por um compromisso que – sem que o espectador soubesse – o filme havia assumido já de partida, e inusitadamente todos são lembrados da “realidade” que os envolve. É assim na cena da apresentação musical no final de Um Grande Garoto, quando Hugh Grant entra no palco menos para salvar o menino do fracasso do que para dividir as vaias com ele. E é assim quando Carter e Dan Foreman (Dennis Quaid) conseguem fechar uma venda excepcional, mas ao retornar à empresa descobrem que esta foi anexada por uma outra maior. Um morde-assopra que Weitz parecia fazer mais à vontade em Um Grande Garoto, em que o buddy movie e os enxertos de comédia romântica disfuncional desfrutavam uma relação bem mais orgânica. Os meios-climas de Em Boa Companhia tornam o filme um tanto cansativo – prova maior disso, o romance de Carter com a filha de Dan, Alex (Scarlett Johansson superaproveitada no seu jeito blasé e sub-aproveitada na sua doçura), acaba sendo uma depressão do relevo narrativo, cujas partes altas cada vez mais se mostram diretamente ligadas à mútua admiração silenciosa que cresce entre Carter e Dan. Mas não há decolagem a partir da transformação que daí se presume.

Weitz elege o close como sua única ferramenta de confrontação dramática efetiva (montagem de curtos planos fechados utilizada nas cenas-clímax) e filma as cenas que se desenvolvem em espaços pequenos com uma calma imperturbável, como se nada estivesse acontecendo fora dos seus limites, justamente sublinhando a idéia de pessoas que se fecham no conforto de mundos particulares e sentem enorme dificuldade quando precisam transpô-los. Em Boa Companhia é esse percurso: fazer Carter conseguir sair do aquário – e não à toa o último plano vai se abrindo até que possamos ver que, ao contrário de uma cena no meio do filme, ele está fazendo jogging ao ar livre, sem a esteira e a paisagem artificial da sua televisão. O que move a decisão final do personagem, e isso se mostra bastante curioso como retrato do jovem americano, é o mesmo desejo de descobrir o mundo que vemos num filme como A Primeira Noite de um Homem (1969). Mas se o filme de Mike Nichols terminava por revelar esse encarar o mundo apenas como o ingresso em um novo e maior aquário, Em Boa Companhia parece mais otimista, apostando verdadeiramente na tomada de consciência de seu protagonista.

Carter é mais uma reciclagem de um dos grandes estereótipos que a cultura americana produziu nos anos 80: um yuppie de dicionário, e ainda por cima filho de mãe hippie e de pai pseudo-artista drogado. Ele mesmo revela isso a Alex, mostrando a necessidade do filme de inscrever a origem desse personagem remetendo ao berço yuppie de Silicon Valley. O grande comentário que corre pelas frestas de Em Boa Companhia é a leviandade do discurso pró-globalização mais corrente, o que não deixa de ser a maneira encontrada para revalorizar as formações sociais e econômicas que o filme enxerga ameaçadas: o projeto familiar paternalista e monogâmico, a pequena empresa em que todos se conhecem pelo nome e trabalham juntos durante anos (em oposição à agressividade randômica dos novos conglomerados), a crença no trabalho (ao invés da  frivolidade e da superexcitação workaholic) e nas antigas e sólidas preocupações da nação (na contracorrente total da “nova democracia” defendida pelos ideólogos do hiper-consumismo globalizado). Esses comentários – assim como a maior parte das pontuações dramáticas do filme – se dão de forma não raro caricata. Fazer um filme-caricatura, no fundo, parece ser mesmo uma das metas desse projeto de Weitz, o que no mínimo as atuações comprovam – e se Dennis Quaid encontra aí seu nicho de predileção, Topher Grace briga o tempo todo com a incapacidade de variar uma única expressão adquirida desde That’s 70’s Show. Sóbrio demais para ser romântico, fantasioso demais para ter os pés no chão, Em Boa Companhia incorpora o meio-termo com facilidade.

Luiz Carlos Oliveira Jr.