BATMAN E TÓTE

Existem várias acusações sobre o filme do Batmão ser fascistóide e de extrema direita. Concordo, mas não me incomodo porque já estava acostumado com o Batman do Frank Miller, que era fascistóide e de extrema direita. Também gosto do Dirty Harry e do Robocop, que são fascistóides e de extrema direita.

As histórias dos super-heróis do panteão clássico já são como mitologias, altamente maleáveis - e poderíamos facilmente ter uma versão politicamente correta do morcegão pra acalmar os críticos ferrenhos do filme. Por exemplo: Bruce Wayne é o filho de Thomas e Martha Wayne, assassinados brutalmente em um beco escuro de Gotham City. Traumatizado, o rapazote, que sempre foi muito inteligente, usa sua fortuna para viajar pelo mundo e estudar nas melhores faculdades. Torna-se doutor em filosofia clássica e política contemporânea, orientado por Raz-Al-Ghul, estudioso árabe que é dado como morto após contrair um fungo mortal em uma parte mal-conservada da biblioteca da Sorbonne. Wayne discordava de Raz em vários aspectos, principalmente em sua assustadora tendência neo-liberal. Mesmo assim sua morte foi um baque muito forte - e Wayne decide dar seu treinamento como concluído e voltar para Gotham City.

Vendo o estado da cidade, ele resolve utilizar a fortuna da família para ajudar seu povo. Candidata-se à prefeitura com uma campanha política milionária, mas tem que lutar contra um oponente forte: o republicano neo-liberal Jonathan "Espantalho" Crane, que promete espantar a corrupção de Gotham.

Crane é um adversário formidável tão bem treinado e loquaz que derrota Bruce Wayne em sucessivos debates, fazendo com que sua aprovação pública chegue às mais inomináveis profundezas dos gráficos coloridos nos jornais. Wayne precisa de uma saída. Um dia, enquanto anda pela sua biblioteca particular, Wayne descobre um ninho de morcegos atrás das obras completas de Aristóteles. Então percebe o que faltava para sua campanha: um símbolo forte. Bruce procura seu marketeiro James Gordon - e assim nasce Tóte, o morcego camarada, mascote oficial da campanha (e sutil homenagem ao filósofo grego, o que Wayne considera de muito bom tom).

Totinho leva Wayne a empatar com Crane, e um último debate é agendado na véspera da eleição. É uma disputa cabeça-a-cabeça e toda a cidade acompanha a batalha. Momentos antes do início do show, Wayne medita sobre seu inimigo. Crane conhece todas as suas falhas, todos seus pontos fracos, alguém assim só poderia ter sido treinado por alguém próximo... alguém como... RAZ-AL-GHUL! Súbito, Wayne percebe um bigodinho familiar na platéia e vê seu mestre vivo e serelepe, com um sorriso janota no rosto encarquilhado.

Tudo faz sentido. Desiludido com Wayne, Raz havia fingido a própria morte para treinar Crane e assim tomar o controle da cidade, vendendo suas empresas estatais e privatizando os serviços públicos, abrindo as portas para as mercadorias de Metrópolis e enfraquecimento a cultura de Gotham. Mas não há tempo, o debate começa. É uma disputa acirrada, um duelo de titãs. Temos um empate técnico. No último bloco, abre-se um espaço para a pergunta do público e os dois candidatos se saem muito bem.

Eis que chegamos a última pergunta. O homem de bigodinho se levanta e olha nos olhos de Bruce Wayne. Os dois sabem que esse é o embate definitivo. Raz apresenta a Wayne uma pergunta sobre a morte de seus pais, mas Bruce Wayne mostra que superou seu trauma dizendo: "Papai morreu, antes ele do que eu" - demonstrando com rapidez que a psicanálise é uma farsa. Raz desaba e a platéia vai ao delírio. Enfurecido, o mestre tenta acertar Wayne com uma cópia da Odisséia de Homero, mas acaba colocando Crane em coma.

Bruce Wayne é o novo prefeito. Gotham torna-se uma cidade sem crimes, onde todo cidadão tem direito à educação e a um emprego digno. Raz-Al-Ghul se muda para uma cidadezinha no interior da Polônia e vira um ermitão recluso, mantendo uma coluna no Libération. Quatro anos depois, o povo elege Bruce Wayne prefeito vitalício e seus planos agora incluem a Casa Branca. Mas ele tem um adversário poderoso pela frente, o veterano de guerra Jack "Coringa" Napier, conhecido por seu sorriso carismático capaz de encantar multidões. Felizmente o incansável combatente do crime tem um novo aliado: seu dedicado estagiário Robin, que vai fazer de tudo para levar seu chefe para o salão oval. Mais precisamente, para um canto escuro no salão oval, mas isso fica para a continuação.


Tiago Teixeira