bonequinha de luxo
de Blake Edwards, Breakfast at Tiffany’s, 1961, EUA

Quando Truman Capote escreveu a novela Breakfast at Tiffany’s, em 1958, pensou que sua amiga Marilyn Monroe seria a tradução perfeita da personagem Holly Golightly, espécie de call-girl e cabeça de vento, socialite golpista e ao mesmo tempo ingênua, que flana pela vida seguindo o que considera mais divertido e cujo maior sonho é abocanhar um ricaço. Achava que Marilyn possuía um quê de inocência ainda que voluptuosa - capaz de tornar a amoralidade de Holly antes de reprovável, charmosa. Acontece que, três anos depois, quando a obra foi ser filmada, quem detinha seus direitos era a Paramount – e a atriz, que estava sob contrato com a Fox, seria um “empréstimo” muito caro. Escalada para o papel, então, foi Audrey Hepburn, contratada do estúdio e de certa forma a antítese de Marilyn. Enquanto a loura esbanjava sensualidade, Hepburn personificava a heroína romântica e quase que desprovida de sexo - mesmo Amor na Tarde (Love in the Afternoon, 1957), em que são insinuadas relações entre ela e Gary Cooper, deixa patente que a mocinha era virgem e, na narração em off do final, que o affair com o conquistador resultou em casamento, o que, aliás, parece ter sido inserido no filme somente para apaziguar os ânimos mais tradicionais e familiares. Enfim, então, depois de filmes como A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953), Sabrina (idem, 1954) e Cinderela em Paris (Funny Face,1957), Hepburn, que havia dado à luz três meses antes, resolveu aceitar viver a personagem de Capote.

A escolha, que desagradou o escritor profundamente, viria, porém, a se mostrar a mais acertada. Pois Blake Edwards - tendo dirigido muita tevê e cujo grande hit, A Pantera Cor-de-rosa (The Pink Panther, 1963) (que daria origem a mais sete filmes, se contarmos o fiasco O Filho da Pantera Cor-de-rosa), ainda estava por vir - realizou uma fita com um clima bem pouco capotiano e muito mais ao gosto de seu próprio humor. Para começar, o mundo em que é ambientado Bonequinha de Luxo é praticamente inofensivo, embora tresloucado, e a presença de Audrey Hepburn como personagem principal é o primeiro ingrediente para que o filme, ainda que conte com certos ares farsescos e conte com material pesado, possa fazê-lo com algum charme e elegância.

Toda a trama gira em torno de Holly, que tem o mundinho e a identidade que se esforçou em construir abalados pelo aparecimento, em sua vida, de Paul Varjak (George Peppard), pretenso escritor que é sustentado por uma mulher mais velha. O encantamento de um pelo outro é inevitável e seu romance, impossível, já que são ambos mantidos por terceiros – e parecem bem confortáveis com essa situação. Holly recebe dos homens que acompanha gorjetas de cinqüenta dólares cada vez que vai ao banheiro e tem ainda outro protetor, Sally Tomato, um gângster a quem a moça visita regularmente na prisão de Sing Sing. Já Paul, homem de uma mulher só, no caso a que o sustenta, protela para escrever seu segundo livro – com um primeiro publicado, foi tido pela crítica como promissor – e vai vivendo como gigolô. Os dois são criaturas marginais, não têm controle sobre seu próprio destino, não têm direito à própria vida, da qual só podem desfrutar para si de uma pequena parte – estando a maior dela reservada para a prestação de contas a seus mantenedores. Tal intriga, que facilmente poderia descambar para o melodrama – ou seguir, como no caso da novela original, um tipo de romance meio cínico e algo pessimista - consegue se manter leve e engraçada graças à batuta de Edwards. Somos levados a mergulhar no universo de Holly, cheio de festas e momentos de comédia puramente pastelão – o que o diretor quase se especializaria em fazer – e o drama que vive e que vai levemente a desconcertando é inserido de maneira muito sutil. A moça, apresentada como um tanto doidinha, vai aos poucos se desvelando e revelando outras camadas, como quando é confrontada com o passado do qual fugiu e para onde não pretende retornar, embora sinta certo carinho pelo que deixou para trás. Tudo isso culmina com a cena final, romântica até o extremo – e a maior mudança em relação à obra de Capote - em que Holly finalmente cede e deixa que o amor alcance o primeiro lugar em sua vida.

O grande trunfo do filme, porém, é a atmosfera alegre, de permanente festa e fantasia – o mundo de fantasia em que Holly vive. Há cenas realmente memoráveis, como a da festa no apartamento, a que comparecem toda sorte de tipos amalucados e que culmina com a fuga da anfitriã e de alguns convidados pela janela, ou ainda as aparições sempre hilariantes do senhorio de Holly, o sr.Yunioshi (Mickey Rooney). E há Hepburn, luminosa, que conduzida por Edwards – e vestida sempre por Givenchy - criou a figura mais popular de sua carreira; a Capote restou homenagear Marilyn, sua primeira escolha, anos mais tarde com um belo artigo em seu livro Os Cães Ladram. Pois Bonequinha de Luxo, tal como ficou conhecido, pertence a Hepburn e Edwards.

Juliana Fausto