Quando
Truman Capote escreveu a novela Breakfast at Tiffany’s,
em 1958, pensou que sua amiga Marilyn Monroe seria a
tradução perfeita da personagem Holly
Golightly, espécie de call-girl e cabeça
de vento, socialite golpista e ao mesmo tempo ingênua,
que flana pela vida seguindo o que considera mais divertido
e cujo maior sonho é abocanhar um ricaço.
Achava que Marilyn possuía um quê de inocência
ainda que voluptuosa - capaz de tornar a amoralidade
de Holly antes de reprovável, charmosa. Acontece
que, três anos depois, quando a obra foi ser filmada,
quem detinha seus direitos era a Paramount – e
a atriz, que estava sob contrato com a Fox, seria um
“empréstimo” muito caro. Escalada
para o papel, então, foi Audrey Hepburn, contratada
do estúdio e de certa forma a antítese
de Marilyn. Enquanto a loura esbanjava sensualidade,
Hepburn personificava a heroína romântica
e quase que desprovida de sexo - mesmo Amor na Tarde
(Love in the Afternoon, 1957), em que são insinuadas
relações entre ela e Gary Cooper, deixa
patente que a mocinha era virgem e, na narração
em off do final, que o affair com o conquistador resultou
em casamento, o que, aliás, parece ter sido inserido
no filme somente para apaziguar os ânimos mais
tradicionais e familiares. Enfim, então, depois
de filmes como A Princesa e o Plebeu (Roman
Holiday, 1953), Sabrina (idem, 1954) e
Cinderela em Paris (Funny Face,1957),
Hepburn, que havia dado à luz três meses
antes, resolveu aceitar viver a personagem de Capote.
A escolha, que desagradou o
escritor profundamente, viria, porém, a se mostrar
a mais acertada. Pois Blake Edwards - tendo dirigido
muita tevê e cujo grande hit, A Pantera Cor-de-rosa
(The Pink Panther, 1963) (que daria origem
a mais sete filmes, se contarmos o fiasco O Filho
da Pantera Cor-de-rosa), ainda estava por vir
- realizou uma fita com um clima bem pouco capotiano
e muito mais ao gosto de seu próprio humor. Para
começar, o mundo em que é ambientado Bonequinha
de Luxo é praticamente inofensivo, embora
tresloucado, e a presença de Audrey Hepburn como
personagem principal é o primeiro ingrediente
para que o filme, ainda que conte com certos ares farsescos
e conte com material pesado, possa fazê-lo com
algum charme e elegância.
Toda a trama gira em torno de
Holly, que tem o mundinho e a identidade que se esforçou
em construir abalados pelo aparecimento, em sua vida,
de Paul Varjak (George Peppard), pretenso escritor que
é sustentado por uma mulher mais velha. O encantamento
de um pelo outro é inevitável e seu romance,
impossível, já que são ambos mantidos
por terceiros – e parecem bem confortáveis
com essa situação. Holly recebe dos homens
que acompanha gorjetas de cinqüenta dólares
cada vez que vai ao banheiro e tem ainda outro protetor,
Sally Tomato, um gângster a quem a moça
visita regularmente na prisão de Sing Sing. Já
Paul, homem de uma mulher só, no caso a que o
sustenta, protela para escrever seu segundo livro –
com um primeiro publicado, foi tido pela crítica
como promissor – e vai vivendo como gigolô.
Os dois são criaturas marginais, não têm
controle sobre seu próprio destino, não
têm direito à própria vida, da qual
só podem desfrutar para si de uma pequena parte
– estando a maior dela reservada para a prestação
de contas a seus mantenedores. Tal intriga, que facilmente
poderia descambar para o melodrama – ou seguir,
como no caso da novela original, um tipo de romance
meio cínico e algo pessimista - consegue se manter
leve e engraçada graças à batuta
de Edwards. Somos levados a mergulhar no universo de
Holly, cheio de festas e momentos de comédia
puramente pastelão – o que o diretor quase
se especializaria em fazer – e o drama que vive
e que vai levemente a desconcertando é inserido
de maneira muito sutil. A moça, apresentada como
um tanto doidinha, vai aos poucos se desvelando e revelando
outras camadas, como quando é confrontada com
o passado do qual fugiu e para onde não pretende
retornar, embora sinta certo carinho pelo que deixou
para trás. Tudo isso culmina com a cena final,
romântica até o extremo – e a maior
mudança em relação à obra
de Capote - em que Holly finalmente cede e deixa que
o amor alcance o primeiro lugar em sua vida.
O grande trunfo do filme, porém,
é a atmosfera alegre, de permanente festa e fantasia
– o mundo de fantasia em que Holly vive. Há
cenas realmente memoráveis, como a da festa no
apartamento, a que comparecem toda sorte de tipos amalucados
e que culmina com a fuga da anfitriã e de alguns
convidados pela janela, ou ainda as aparições
sempre hilariantes do senhorio de Holly, o sr.Yunioshi
(Mickey Rooney). E há Hepburn, luminosa, que
conduzida por Edwards – e vestida sempre por Givenchy
- criou a figura mais popular de sua carreira; a Capote
restou homenagear Marilyn, sua primeira escolha, anos
mais tarde com um belo artigo em seu livro Os Cães
Ladram. Pois Bonequinha de Luxo, tal como
ficou conhecido, pertence a Hepburn e Edwards.
Juliana Fausto
|