VÍTIMAS DO PRAZER – SNUFF
Claudio Cunha, Brasil, 1977

Vítimas do Prazer funciona de uma certa forma como o maior escape marginal – e nesse caso, um filme marginalizado dentre os marginais – dentro dos filmes realizados na Boca do Lixo. Cláudio Cunha é um cineasta bastante habilidoso, mas também uma figura quase mítica dentro da Boca com suas muitas histórias, um comportamento que leva a crer ser provavelmente a pessoa ideal para assumir o roteiro de Carlão Reichenbach, tendo em vista que é capaz de colocar em cena as maiores sandices sem perder em momento algum um certo senso de absurdo mas com absoluto vigor – Vítimas do Prazer tem um tipo raro de humor mesmo dentro de um gueto específico do cinema brasileiro. Sem ser paródico, mas ao mesmo tempo auto-crítico, se levando a sério e por isso mesmo não se levando, há um tom estranhíssimo que permeia a duração do filme. Um clima de desencanto fassbinderiano que encontra um clima fulleriano, sem perder o mais absoluto clima chanchadesco. Na verdade, não seria um absurdo dizer que Vítimas do Prazer poderia ser Samuel Fuller refilmando Precauções Diante de uma Prostituta Santa. Há até um momento sensacional onde os dois filmes se tornam gêmeos, pouco antes do começo das filmagens.

Há algo de fascinante na capacidade de Cunha em captar os momentos mais absurdos como Canarinho sendo puxado pela janela, ou as explosões de emoções nos sets de filmagem. O filme parece tão seguro no modo como vai colocando em cena o mais variado círculo de absurdos, principalmente nas emoções exageradas dos personagens, que o primeiro momento que parece balançar o filme é justamente o último plano, o momento limite. Último plano alias, que é a essência do filme B no que há de mais barato em sua encenação, que também vem a ser o que há de mais valoroso. De certa forma, Vítimas do Prazer é a essência do filme vagabundo em seu melhor estado.

O fiapo de trama é brilhante na forma como estará jogando com toda uma idéia de filmes sobre o fazer-cinema, usando como base a idéia dos snuffs, os lendários filmes que supostamente continham pessoas sendo mortas de verdade em cena. Produtor americano contrata um falido Carlos Vereza que vê mesmo no risco de estar realizando um filme ilegal no país, a saída para sua crise. Daí em diante as mais diferentes figuras vão se juntando, atores desempregados, um ator louco, uma jovem de classe alta que desperta a obsessão do americano. Vítimas se constrói, especialmente tendo em vista tratar-se de um filme pesado de alguma forma, com o extremo sentimento de liberdade, ou melhor, do desejo de liberdade. A partir do momento onde se passa do ensaio para a ação, o ir filmar onde ninguém ainda fora informado da morte certa de pessoas, assume-se de vez um lado mais explosivo e ensandecido na forma. Importante observar o diálogo que o filme estabelece com as influências cinéfilas de Carlão Reichenbach em seu roteiro. Daí surgem momentos antológicos como o "eu sou tão brasileiro quanto todos vocês", ou o primeiro "ensaio" do que viriam a ser as mortes em cena.

É preciso se dar crédito para que tudo funcione tão bem em Vítimas ao elenco do qual dispunha Cláudio Cunha. Mais do que um elenco bastante bom para um filme essencialmente B, mesmo dentro da indústria da Boca, há uma química que permeia entre eles que tem resultado sensacional. Canarinho, o gêmeo perdido de Grande Otelo, Hugo Bidet, Carlos Vereza, todos em um momento bastante especial. Isso sem falar em Roberto Miranda, sempre genial, possivelmente o grande ator do cinema brasileiro, encarnando um louco num papel que parece ter nascido para ele. É impressionante como a câmera de Cunha encontrava o que de melhor parecia surgir no contracenar absurdo que se desenrola em cena, a forma como ele irá articular todas aquelas situações limites dos personagens com humor sem quebrar sua atmosfera. Vítimas do Prazer parece ser um filme especial pelo que de mais essencialmente "maldito" há na sua forma de ser cinema, seu orgulho em ser um (grande) filme B.


Guilherme Martins