Vítimas do Prazer funciona de uma certa
forma como o maior escape marginal – e nesse caso, um
filme marginalizado dentre os marginais – dentro dos
filmes realizados na Boca do Lixo. Cláudio Cunha
é um cineasta bastante habilidoso, mas também
uma figura quase mítica dentro da Boca com suas
muitas histórias, um comportamento que leva a
crer ser provavelmente a pessoa ideal para assumir o
roteiro de Carlão Reichenbach, tendo em vista
que é capaz de colocar em cena as maiores sandices
sem perder em momento algum um certo senso de absurdo
mas com absoluto vigor – Vítimas do Prazer
tem um tipo raro de humor mesmo dentro de um gueto
específico do cinema brasileiro. Sem ser paródico,
mas ao mesmo tempo auto-crítico, se levando a
sério e por isso mesmo não se levando,
há um tom estranhíssimo que permeia a
duração do filme. Um clima de desencanto
fassbinderiano que encontra um clima fulleriano, sem
perder o mais absoluto clima chanchadesco. Na verdade,
não seria um absurdo dizer que Vítimas
do Prazer poderia ser Samuel Fuller refilmando Precauções
Diante de uma Prostituta Santa. Há até
um momento sensacional onde os dois filmes se tornam
gêmeos, pouco antes do começo das filmagens.
Há algo de fascinante na capacidade de Cunha
em captar os momentos mais absurdos como Canarinho sendo
puxado pela janela, ou as explosões de emoções
nos sets de filmagem. O filme parece tão seguro
no modo como vai colocando em cena o mais variado círculo
de absurdos, principalmente nas emoções
exageradas dos personagens, que o primeiro momento que
parece balançar o filme é justamente o
último plano, o momento limite. Último
plano alias, que é a essência do filme
B no que há de mais barato em sua encenação,
que também vem a ser o que há de mais
valoroso. De certa forma, Vítimas do Prazer
é a essência do filme vagabundo em seu
melhor estado.
O fiapo de trama é brilhante na forma como estará
jogando com toda uma idéia de filmes sobre o
fazer-cinema, usando como base a idéia dos snuffs,
os lendários filmes que supostamente continham
pessoas sendo mortas de verdade em cena. Produtor americano
contrata um falido Carlos Vereza que vê mesmo
no risco de estar realizando um filme ilegal no país,
a saída para sua crise. Daí em diante
as mais diferentes figuras vão se juntando, atores
desempregados, um ator louco, uma jovem de classe alta
que desperta a obsessão do americano. Vítimas
se constrói, especialmente tendo em vista tratar-se
de um filme pesado de alguma forma, com o extremo sentimento
de liberdade, ou melhor, do desejo de liberdade. A partir
do momento onde se passa do ensaio para a ação,
o ir filmar onde ninguém ainda fora informado
da morte certa de pessoas, assume-se de vez um lado
mais explosivo e ensandecido na forma. Importante observar
o diálogo que o filme estabelece com as influências
cinéfilas de Carlão Reichenbach em seu
roteiro. Daí surgem momentos antológicos
como o "eu sou tão brasileiro quanto
todos vocês", ou o primeiro "ensaio"
do que viriam a ser as mortes em cena.
É preciso se dar crédito para que tudo
funcione tão bem em Vítimas ao
elenco do qual dispunha Cláudio Cunha. Mais do
que um elenco bastante bom para um filme essencialmente
B, mesmo dentro da indústria da Boca, há
uma química que permeia entre eles que tem resultado
sensacional. Canarinho, o gêmeo perdido de Grande
Otelo, Hugo Bidet, Carlos Vereza, todos em um momento
bastante especial. Isso sem falar em Roberto Miranda,
sempre genial, possivelmente o grande ator do cinema
brasileiro, encarnando um louco num papel que parece
ter nascido para ele. É impressionante como a
câmera de Cunha encontrava o que de melhor parecia
surgir no contracenar absurdo que se desenrola em cena,
a forma como ele irá articular todas aquelas
situações limites dos personagens com
humor sem quebrar sua atmosfera. Vítimas do
Prazer parece ser um filme especial pelo que de
mais essencialmente "maldito" há na
sua forma de ser cinema, seu orgulho em ser um (grande)
filme B.
Guilherme Martins
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