Inquietude
de Manoel de Oliveira, Inquietude, 1998, Portugal/França/Espanha/Suíça

No cinema, já disse Jean Louis Schefer, o mais decisivo não é o movimento, a mobilidade geral do mundo, "mas a inquietude acrescida a esse movimento" (cf. L’Homme ordinaire du cinéma, livro publicado na França em 1980). Mais do que espectadores dos objetos que se movem, somos conhecedores de sua morte premeditada pela imagem. É um pouco como a chama de uma vela, que desfruta tal brilho e tal intensidade, mas que em algum momento, consumido seu suporte, se apaga. Essa chama pode muito bem ser aquela com que brinca Fisalina (Leonor Baldaque, doce e bela como sempre), protagonista da terceira e última parte de Inquietude: ela passa seus "dedos de ouro" sobre a chama da vela, tomando intimidade com a natureza - através de um dos "quatro elementos fundamentais" - e prenunciando seu próprio destino, que é a desaparição. O que fica claro no filme de Manoel de Oliveira, contudo, é que a desaparição implica necessariamente uma contrapartida, ou seja, a aparição de alguma outra coisa no lugar daquilo que se foi. Sai tristeza, entra felicidade - e a recíproca é verdadeira. O que sumiu, por sua vez, também não se resume ao vazio: quem desaparece de um pólo, emerge no outro. Fisalina desaparece para uma parte do mundo (a saber, a aldeia a que pertencia), mas surge inteira para seu novo habitat, junto à relva, junto aos rios (que são a melhor expressão do fluxo, da vida que se refaz constantemente ao invés de se imobilizar). Da mesma forma, o pai insiste com o filho para que este se suicide, já nos primeiros minutos de filme, pois essa é a única forma de se imortalizar (sair da vida e entrar na História). Na ótica do pai, cientista ultrapassado pela própria ciência, somente saindo da vida no auge da notoriedade, e antes do esquecimento, seu filho poderá eternizar-se. A ciência vive do amanhã, mas os cientistas morrem um dia, ou enfrentam suas limitações - e as de suas teorias - mesmo em vida.

Apesar de começar sob o peso amargo (e visto de forma tragicômica) do esquecimento, Inquietude aos poucos se revela um fascinado cultivo da memória. Ou, valorizando seu potencial filosófico, o filme constitui um excelente ensaio sobre a duração (dos corpos, dos sentimentos, do cinema, da vida). São três histórias com perfeita ductilidade entre si, uma puxando a outra e confrontando diversas camadas (não apenas narrativas, mas também fotográficas e cenográficas). Ao início e ao fim encontram-se os lamentos dos esquecidos (o velho cientista, a antiga mãe do rio), mas no meio existe a revelação - na esteira da tentativa sempre frustrada de engessar o amor, de reter sua virtual transformação - de que é preciso preencher o tempo com ações, de modo a fazer do próprio presente a eternidade (inalcançável enquanto meta idealizada). Ritualizados ou não, os gestos - que, em última análise, criam o tempo (porquanto dão sua impressão) - devem mover a vida para frente, apreender a passagem do tempo como um acúmulo de tesouros pessoais, a memória sendo uma espécie de caixa de ferramentas do presente. É talvez por isso que, jovial e elegante, o nonagenário Manoel de Oliveira aparece esbanjando vivacidade ao protagonizar uma dança (acompanhado, naturalmente), ratificando a idéia de que somos tão mais vivos quanto mais soubermos aproveitar o tempo.

Como nos melhores momentos de Ozu, Inquietude consegue expor o emocional de seus personagens através de um rico jogo visual que, repetindo um mesmo enquadramento num mesmo local, revela sutilmente, por exemplo, a ausência de um objeto cuja anterior permanência física no cenário traduzia uma presença outra, impalpável (felicidade, amor, amizade, paixão...). Através dessa ausência exterior, detalhe factício, percebemos a mudança de um estado de alma. "C’est un détail", diz Suzy ao olhar para o ramo de flores que fará justamente esse percurso cenográfico descrito acima: das mãos dela para o cenário, dali para não se sabe onde. Suzy é a prostituta interpretada por Leonor Silveira (com um rosto a meio caminho entre a mais melancólica Greta Garbo e a mais diabolicamente sedutora femme fatale). A "pobre Suzy", como repete sempre que pode o personagem de Diogo Dória, apaixonado por ela - e dominado por uma angústia que vem do desejo de desenvolver uma relação duradoura com uma mulher para quem o amor é vivido na contramão da estabilidade. O mistério em pessoa, Suzy não pode ser dele por mais de uma noite, não pode ser retida. Há uma ressonância, em Inquietude, da trilogia dos "amores frustrados" que Manoel de Oliveira começou com Benilde, ou a Virgem Mãe (1975), continuou com Amor de Perdição (1978) e fechou em 1981 com a obra-prima Francisca (que marca o início de sua parceria com a escritora Agustina Bessa-Luís, autora de boa parte dos roteiros recentes de Oliveira e presente em Inquietude através de A Mãe de um Rio, peça literária de que foi tirada a inspiração para a terceira parte do filme). Ao menos do ponto de vista masculino, as histórias do meio e do fim são crônicas de amores perdidos, terminando com a desolação da figura sentimentalmente lesada no processo (o rapaz que antes se declarara a Fisalina badalando os sinos desesperadamente, Diogo Dória imerso na penumbra e apoiado fragilmente à sua escrivaninha).

A tática de subtração que Oliveira desenvolve ao longo da sua carreira, muito bem expressa em Inquietude (planos longos, pouca movimentação de câmera, poucos planos fechados, profusão de detalhes, sutilezas de mise-en-scène), é diferente de um maneirismo par défaut, de um excessivo retraimento que leva o cineasta a somente (re)encontrar seu estilo uma vez abolida a tentação de exercitá-lo barrocamente. Em Manoel de Oliveira, a questão é outra, pois o conhecimento de quem acompanhou de dentro as diversas fases da história do cinema não repercute em sofrimento. Ele filma com a sabedoria puncionada de uma idade avançada da imagem, mas sem a angústia de quem pensa que tudo já foi filmado e que a cada nova imagem é necessário passar por uma verdadeira dor de parto. No seu modo de encenar, há simultaneamente uma absurda complexidade de dispositivo e uma primitividade griffithiana pré-Intolerância. Em cada filme de Oliveira, a afirmação de que o cinema está sempre se descobrindo - e sempre se mantendo um enigma fronteiriço entre diversas formas de arte, de vida e de pensamento. Inquietude, não por outro motivo, vai da tentativa de desvendar as forças da natureza (os cientistas lá do início) à conquista de um misturar-se a ela (a jovem Fisalina, que se torna "mãe de um rio", este tendo brotado praticamente de seus pés). Entre morte e vida, passado e presente, gesto e fala, natureza e artifício... cinema.

Luiz Carlos Oliveira Jr.