USA (UMA SOBRE A AMÉRICA)

Alguém ainda agüenta o papo sobre a imagem da América nos filmes? Então aqui vai um pouquinho antes que a paciência se esgote completamente. Depois da definitiva vitória de Bush pela segunda vez, Michael Moore sai de cena como estrategista cinematográfico da esquerda americana e ganha seu papel devido, o de picuinheiro sensacionalista e catalisador da má consciência democrata ianque. Fahrenheit 9/11, curiosamente, já é um filme morto antes de um ano de feito. Coincidência ou não, nos festivais foram três filmes estrangeiros aqueles que trouxeram hipóteses mais interessantes acerca dos Estados Unidos e de seu papel no mundo. Terra da Fartura (malgrado suas grandes insuficiências), Tartarugas Podem Voar e Alexandria... Nova York são aqueles que tentam dramatizar com mais intensidade o papel que os Estados Unidos representam hoje no mundo. Wim Wenders, mesmo com sua crença de coroinha (ou talvez por isso), coloca a discussão no terreno do conflito paranóia vs. humanitarismo, atingindo de fato um ponto de dissensão interna (que se rearranja politicamente na disputa republicanos vs. democratas) no seio da sociedade americana, mas acaba resolvendo suas tensões da maneira mais frágil possível, mostrando (ao mundo) como a paranóia é imaginária. Generalização grosseira por generalização grosseira, há de se preferir a boutade de Youssef Chahine em seu libelo de amor e ódio em relação ao cinema americano: anteriormente Fred Astaire e Gene Kelly, hoje Stallone e Bruce Willis. Em todo caso, a decepção e a raiva contra os Estados Unidos que Chahine mostra nesse filme é muito mais pungente do que em Moore, e o amor pelo que ainda resta de beleza no país é mais emocionante do que em Wenders. Em todo caso, Chahine faz a clivagem que importa: não republicanos contra democratas, não pró-guerra contra anti-guerra, mas aqueles que estão dentro do território (os americanos) e os que não estão (o resto do mundo). A tarefa política de Youssef Chahine, que em muitos aspectos é compartilhada por Bahman Ghobadi em Tartarugas Podem Voar, é mostrar ao mundo (e aos americanos em particular) a ação e os frutos da ação americana em outros territórios, mostrar o contra-plano que as redes noticiárias americanas não mostram: as minas americanas plantadas no solo que continuam decepando membros, a xenofobia, a ação imperialista disfarçando-se de paternalista. Acabou-se a convivência pacífica: o cinema está em guerra com os EUA.

Ruy Gardnier