PLATITUDE DO PLANO
(cf. Densidade do plano)

A platitude do plano, dependendo de como se olha, seriam duas, e ambas opostas em alguma medida à densidade do plano. Uma seria a imagem que, desgastada, serve de suporte à narrativa mais convencional, e tanto mais previsível quanto mais "talentosa" (Caminhos para Koktebel). É a imagem do falso-profundo, o filme que trabalha com o imaginário dos circuitos internacionais de cinema de arte (Diários de Motocicleta, O Retorno) para fazer peças tão domadas quanto a mais formatada produção hollywoodiana, em relação ao "público médio". Mas esse plano é apenas uma outra modalidade do plano com valor de face. Deveríamos procurar a platitude do plano não em filmes que trabalham no modo da codificação convencional, mas aqueles que trabalham fazendo com que cada plano jogue menos "informação" do que a sua duração, desinstale a hierarquia narrativa, a previsibilidade do encadeamento de planos, as relações entre os personagens e, principalmente, jogue ao espectador a redundância produtiva de sua repetição. A cena exemplar está em Prazeres Desconhecidos, de Jia Zhang-ke: por infinitas vezes, a menina tenta sair do ônibus e é rechaçada da mesma forma por seu empresário-cafetão, e ela só consegue repetir o mesmo gesto, até que consegue finalmente sair, por força de sua própria repetição. Aí estão Hong Sang-Soo com sua Virgem Desnudada por seus Celibatários (que poderia com toda propriedade se chamar Diferença e Repetição), Jim Jarmusch, Gus Van Sant com Gerry (mais do que Elefante). Se o plano-valor de face =1, o plano instala platitude quando <1. Falsamente chamado minimalista, esse cinema não deve ser confundido com um cinema do íntimo ou do cotidiano (Yi Yi de Edward Yang, Encontros e Desencontros de Sofia Coppola) nem com um cinema que recupera o que não gasta em narrativa com fetiche do plano (A Eternidade e um Dia de Angelopoulos, Kedma de Amos Gitai, Adeus Dragon Inn de Tsai Ming-liang). A platitude do plano trabalha com uma imagem obrigatoriamente pobre, desfetichizada, incompleta em si mesma, rasa, achatada. A beleza evidente – e aí é forçoso dizer que tanto as imagens dos filmes de Jia Zhang-ke e de Hong Sang-Soo são sempre belíssimas –, no entanto, não esconde uma certa insuficiência (de sentido, de fruição), na qual a platitude se inscreve. Uma adição ao repertório de procedimentos da platitude: A Ferida de Nicolas Klotz. Quando Blandine se deita no colchão do squat, é o filme todo que entra em crise com ela, perdendo intencionalmente seu foco narrativo para melhor (não) exprimir a ferida emocional da personagem, e criando uma figura de ausência que consegue dramatizar a contento a situação de uma personagem. A ferida também se torna uma ferida narrativa. Imagem autista, balbuciante, a platitude do plano é também política (não é à toa que tanto Jia quanto Klotz têm preocupações políticas evidentes), o oposto complementar da densidade.

Ruy Gardnier