ILUSÃO DE MOVIMENTO
Hector Molina, Ilusión de movimento, Argentina, 2001

Só quem não tem acompanhado com dedicação as estréias de filmes argentinos no circuito, e suas exibições em mostras, pode supor a existência de um cinematografia esteticamente forte no país vizinho. Se uns poucos exemplos são realmente talentosos, como se pôde verificar em O Pântano e La Ninã Santa, de Lucrecia Martel, em El Bonaerense, de Pablo Trapero, e Los Muertos, de Lisandro Alonso, há que afirmá-los como luminosas exceções de um conjunto  irregular. Porque, mesmo se levando em conta o limite de circulação de cópias a nós imposto pelos mecanismos de distribuição e pelas curadorias das mostras, pode se vislumbrar pelas obras por nós conhecidas uma quantidade significativa de trabalhos inócuos ou modestos em suas ambições artísticas. Ilusão de Movimento talvez seja o mais evidente sinal dessa categoria. Se há filmes que não nos agradam, mas têm características capazes de justificar o investimento de dinheiro por parte do distribuidor e de interesse por parte da platéia, neste caso essas atrações estão invisíveis.

A ausência de qualquer traço instigante é menos responsabilidade da proposta e quase só da realização. O eixo central é o retorno de um quarentão à sua cidade, Rosário, em 1986, e sua aproximação com o filho de pouca idade, a quem não conhecia – ruptura essa gerada pelo regime militar. A convivência de adulto e criança é intercalada com cenas empregadas para se esboçar um perfil das pessoas daquele espaço geográfico. A imersão na subjetividade dos personagens e nas singularidades do ambiente logo será abortada. Algumas das cenas e diálogos despem-se de funcionalidade dramática para tentarem se manter como registros autônomos de pequenos momentos não espetaculares do cotidiano; são sustentados por bate-papos, sem relevância para além da de serem “instantes da vida”. O que, enquanto proposta, é até salutar. Da mesma forma, algumas situações remetem a um passado envolto em mistério e não são decifradas, para assim termos apenas entendimento parcial das motivações dos personagens – outra proposta interessante.

O diretor Hector Molina, constata-se porém, investe na incompletude: também persegue olhares e expressões em silêncio para tentar extrair de tais momentos alguma centelha de encanto estético. Visa-se captar superfícies e palavras sem dar a elas um sentido pleno para entendermos o mundo onde se dá a ação. Há uma sensação de aborto permanente, talvez derivada das rupturas familiares causadas pelas questões políticas (nunca uma questão, na verdade), nas quais o drama individual carrega consigo o coletivo – talvez a maior característica dos filmes argentinos recentes. No entanto, sem habilidade para viabilizar essas diretrizes, fica-se na intenção.

Apesar de ser portenho de origem, Molina integra um pequeno grupo de diretores de Rosário, do qual o mais conhecido é Gustavo Postiglione (El Assadito, El Cumple). Em sua estréia no longa-metragem, prima pelo desleixo. Não tem por objetivo elaborar uma composição visual nos enquadramentos, corta de um plano para outro como se usasse um machado e nenhum senso formal, emprega de forma desastrosa músicas que são atentados aos ouvidos, recorre a flash-backs aparentemente filmados por outro diretor tão ruim quanto, deixa os atores perdidos em cena: eles não sabem o que fazer com o corpo, são cientes demais da presença da câmera, para a qual posam de forma travada, nunca interagindo com espontaneidade. Mesmo quando entrega alguns momentos para duas crianças, talvez esperando captar nelas alguma poesia e ressaltar o tom pretensamento singelo, Molina só produz constrangimento. O mesmo acontece nas situações cômicas, que não produzem graça nem tanto por falta de graça das situações em si, mas pelo despreparo para a comédia. Ilusão de Movimento limita-se a colecionar cenas que revelam o lado “bizarrinho” de tipos exóticos. Impressiona sobretudo pela completa falta de paixão pela  imagem e pela ausência de rigor em seu projeto de “narrativa da sugestão”.

Cléber Eduardo