DIAS INCRÍVEIS
Todd Phillips, Old School, EUA, 2003

Um dos pilares de sustentação do cinema americano físico é a propagação incessante do mito da eterna juventude. Afinal de contas, dificilmente algum homem adulto negará que a vida após certa idade inclui, irrefutavelmente, uma nostálgica ruminação das lembranças acumuladas entre os dezoito e os trinta anos. O cinema, desde Howard Hawks e Nicholas Ray, passando por John Landis e John Hughes, desfruta e sempre desfrutou a genialidade de alguns de seus porta-vozes da vida pré-adulta (o que independe da idade dos personagens), na qual nunca se definem por completo as trajetórias "profissionais" e as condutas pessoais (seja de pensamento, de convívio social ou de relação afetiva). Concentrada no instante-já, essa é uma condição a que alguns chamariam pré-política, mas que pode representar a mais política das fases da vida: aquela em que a distância entre o que se diz e o que se faz é a menor possível.

Não deixa de ser um cinema transgressor esse que, a exemplo de Dias Incríveis, estende seu campo de "irresponsabilidade salutar" à vida após o diploma universitário, época em que se cobram do homem justamente maturidade e assentamento, trabalho e família, obrigações e normas. No meio do caminho, esse cinema acaba por deflagrar os cruéis mecanismos de corrupção e exclusão que a sociedade cultiva desde as instituições de aprendizagem. Hoje – no que os detratores da puberdade durável encontram tanto pano de quanto necessitam para as mangas –, o cinema redescobre sua propensão ao exercício de uma livre-exaltação da juventude que caminha em estreita proximidade com a incorreção política, formando quase que uma rota de colisão. É claro que, com alguma freqüência, os filmes que se passam nas universidades norte-americanas acabam esbarrando no próprio conservadorismo a que a princípio se colocavam "contra". A redenção dos transviados muitas vezes descolore o que o filme tão desbragadamente construíra anteriormente. O mais pervertido dos alunos termina o filme se casando: por aí vai o manancial que atualmente desemboca em American Pie (cujo terceiro filme não gratuitamente aborda o casamento).

Revivendo o espírito de Clube dos Cafajestes (1979, Landis), mas fazendo-o de modo indireto, Dias Incríveis se coloca num espaço híbrido, onde universitários e adultos de todas as idades se unem com o mesmo intuito hedonista. A galera "old school" do filme de Phillips é a melhor turma de comédia que o cinema americano tem para oferecer hoje: Luke Wilson, Will Ferrell e Vince Vaughn interpretam os três amigos que resolvem combater os desafetos da vida adulta com um retorno profundo aos bons tempos. Mitch (Wilson) sofreu o que eufemisticamente podemos chamar de decepção amorosa (ele chega de viagem e encontra sua namorada no meio de uma suruba); Frank (Ferrell) se casou, mas basta um primeiro retorno à era "Frank the Tank" para que ele perca todas as estribeiras e saia correndo pelado pelas ruas, até ser encontrado pela própria esposa; Beanie (Vince Vaughn) está casado com filhos e não trai a mulher, mas sente saudade do tempo em que não tinha as responsabilidades do casamento. Eles montam, então, na casa que Mitch aluga dentro do campus de uma universidade, uma república estudantil à moda antiga e agitada que muitos filmes dos anos 80 exploraram. Suas festas contam com o know-how de veteranos no assunto (a primeira delas já conquista a universidade inteira, com direito à participação de Snoop Doggy). Se a maioria dos filmes sobre adolescentes, ainda mais se passados dentro de escolas, constitui ritos de passagem, em Dias Incríveis não será tão diferente: o filme é um rito de re-passagem, uma nova versão do processo para aqueles que não o assimilaram de primeira. O triste, para o homem, é justamente a "passagem", a idéia de deixar para trás os "dias incríveis" da juventude.

A fraternidade montada por eles, apesar de em nenhum momento isso ser comentado ou ostentado, tem claramente a característica de ser um espaço democrático, que reúne representantes de todas as parcelas discriminadas da sociedade: um velhinho de quase noventa anos (o lendário Blue), um negro obeso, um nerd com poucas habilidades sociais, um latino que trabalha em lanchonete etc. Mas que não se confunda essa parcela democrática do filme com intenções politicamente corretas (o filme justamente se põe na contracorrente da hipocrisia incrustada nessa expressão): numa cena em que serve limonada sem gelo para Frank, Blue é ordenado a pagar vinte flexões; o mesmo Blue, posteriormente, tem um infarto fulminante na festa de seu aniversário, quando duas mulheres se despem à sua frente (no enterro, Frank canta "Forever Young", do Alphaville); as próprias minorias são alvos de tipificações e piadas; o mau-gosto é incorporado ao filme como elemento essencial. Em suma, trata-se de uma ótima comédia que não abre mão de ser descacetada – e que prega uma democracia que não é "inocente" (os próprios líderes da fraternidade exercem uma relação de poder quase tirânico sobre os demais).

Dias Incríveis tem também sua parcela de conservadorismo, de afirmação da maturidade trazida pelos anos vividos, mas a questão está em como o filme enxerga esse processo, nunca o colocando como a necessidade de manutenção cega de certos valores ligados à família e ao mundo patronal do trabalho. É antes a depuração dessa vida adulta convencional. A família e o local de trabalho, por sinal, são enxergados de forma bem peculiar por Phillips. A primeira menina com que Mitch dorme na nova casa é a filha do chefe (Elisha Cuthbert, a Kim Bauer da série 24 Horas), o que lhe rende uma posição de afrontamento em relação ao chefe, que em determinada cena chega a receber uma bronca dele. Dias Incríveis, curiosamente, é um filme também sobre relações de poder – e sobre os artifícios (não raro sujos) de que este lança mão (do que o principal representante é o reitor-vilão, que em dado momento faz um vídeo no qual posa à frente da bandeira nacional – como nos discursos presidenciais – e de cabeças de animais empalhados penduradas na parede).

O combate à hipocrisia, o anti-puritanismo, a derrota moral dos conservadores... obviamente há um quê anti-bushista em Dias Incríveis. Como seu título original (Old School) melhor permite antever, o filme quer recuperar alguma coisa ausente não apenas na vida de seus personagens, mas também na América bushista de uma forma geral: desde a caracterização do reitor da universidade até o jogo de pergunta e resposta que depois é mostrado (em que Frank desbanca o reacionário comentarista político da CNN), não faltam críticas ao neoconservadorismo e à total falta de ética de quem está "no comando". Os ingredientes misóginos que balizam o filme de Phillips têm uma determinação muito clara, pois vão contra o chauvinismo e o discurso monogâmico hipócrita de Mark (namorado pedante de Nicole) e contra o ressentimento nerd do reitor.

Phillips, embora não seja nenhum gênio da mise-en-scène, sabe o que fazer para que as cenas de comédia funcionem em todos os casos (as cenas com Ferrell entorpecido na festinha de criança são sensacionais), que é o que importa no fim das contas. Ele opta, também, por liberar os atores para as performances que suas especialidades melhor permitem (Wilson, Ferrell e Vaughn estão fazendo exatamente os tipos a que mais estão acostumados). Dias Incríveis é uma comédia (romântica?) cuja mensagem de fraternidade, ainda que menos explícita que a de Ligado em Você, dos Farrelly, lá está para quem quiser apreciar. Assim como a afirmação da vontade de viver no ponto limítrofe em que é possível ser adulto, velho, jovem e criança ao mesmo tempo. Um pouco antes dos créditos finais ao som de "Here I go again", do Whitesnake, o filme prenuncia o romance de Mitch com Nicole, que ele conheceu na época da escola, mas com quem nunca havia tentado nada por se sentir intimidado (ela andava com caras mais velhos, usava uma jaqueta jeans do Whitesnake, fumava Mallboro vermelho...). A nova chance foi dada, e dessa vez ele soube aproveitar. Certas coisas só se aprendem mesmo com o tempo.


Luiz Carlos Oliveira Jr.

(DVD Universal)