Alemanha
Ano Zero, de Roberto Rossellini, Ascensor para
o Cadafalso, de Louis Malle, Hiroshima Mon Amour,
de Alain Resnais e A Noite, de Michelangelo Antonioni,
são marcados pelas andanças dos protagonistas
através da cidade. Trata-se do cinema de deambulação,
característico aos cinemas novos que explodiram
ao redor do mundo nos anos 50 e 60, rompendo com o código
clássico-narrativo: o deslocamento pelo deslocamento,
mover-se não com o objetivo de alcançar
algum local específico, mas antes se movimentar
pelo valor que o ato carrega em si. Há, de fato,
compreensão nova e revolucionária do espaço
cênico – se nos filmes da Hollywood clássica
ele funciona com cenário, pano de fundo onde
se desenrola a narrativa, mera passagem de um ponto
a outro, no cinema moderno, com a conseqüente valorização
dos tempos mortos, o espaço é o lugar
em que se instala a dúvida, no qual o sonho,
a imaginação e as emoções
exercem papel fundamental.
Neste século que se inicia, os deslocamentos
permanecem, mas agora ligados de modo indissociável
da busca por afetos. No pós-cinema, reflexo da
pós-modernidade, na qual todas as crenças
foram problematizadas, na qual todos os ideais caíram
por terra, na qual resta somente posições
relativas que deixam os homens à deriva, confusos
e solitários, a resposta possível, proposta
por diretores como Shinji Aoyama (em Eureka),
Daniel Burman (em O Abraço Partido), Youssef
Chahine (em Alexandria... Nova York) e Tony Gatlif
(em Exílios), consiste em se lançar
à estrada na procura pelo contato com o Outro
– e com o mundo – que permita a re-construção
identitária, que possibilite o estabelecimento
de novas subjetividades em substituição
daquelas perdidas no turbilhão dos acontecimentos
sociais, políticos e econômicos.
Em Eureka, a família que emerge das vidas
destroçadas do trio central que, unido, atravessa
o Japão a fim de encontrar o recomeço
necessário para que possam resistir ao ambiente
atroz no qual estão imersos. Em O Abraço
Partido, o retorno do pai à Argentina – em
plena crise econômica, dada a desvalorização
do peso frente ao dólar –e o contato com o filho,
que dá a este, ao invés de fugir para
a Europa, a vontade de ficar junto aos amigos da galeria,
comunidade diversificada, em que trabalha. Em Alexandria...
Nova York, a viagem do idoso cineasta egípcio
para os EUA, onde mantém relação
de amor e de ódio, de admiração
e de repulsa, tanto com o país que, no passado,
formou-lhe artística e emocionalmente, quanto
com o filho recém descoberto, o qual, na incômoda
posição de estrangeiro dentro de seu próprio
lar, renega a origem árabe do pai que, por sua
vez, coloca-se ao lado dos excluídos e dos marginalizados
contra a potência dominante. Em Exílios,
a jornada do casal ruma à Argélia, passando
pela Espanha e pelo Marrocos, cuja importância
está na rede de afetos construída durante
a peregrinação, a qual engendra, por conseguinte,
processos de subjetivação, de um com o
outro e de ambos com o mundo.
Eureka, O Abraço Partido, Alexandria...
Nova York e Exílios: filmes em que
os personagens, como Gérard Depardieu e Isabelle
Huppert em Loulou, de Maurice Pialat, apóiam-se
mutuamente para continuarem de pé.
Paulo Ricardo de Almeida
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