TERRA DA FARTURA
Wim Wenders, Land of plenty, EUA, 2004

Há uma porção de cineastas com tendências a “investigadores de terras estrangeiras” em atividade - desde Walter Salles à Lars Von Trier. Estas investigações-obsessões se dão de muitas formas, positivas ou não – e dentro delas a obsessão de Wim Wenders pela América é algo que de tão caduco, pode gerar algum estudo.

Dentro da obra de Wenders, dos tempos de O Amigo Americano e O Estado das Coisas à fase atual de O Fim da Violência, não é difícil notar como este Terra da Fartura é um fechamento crucial e assustador de um discurso que o cineasta vem pregando já há algum tempo. Wenders realiza a verdadeira morte do subtexto: suas capacidades se esgotaram a tal ponto que a encenação do filme é tratada como um empecilho e não um meio pelo cineasta.

Wenders se tornou de tal forma o cineasta sem pátria, que suas tentativas de se auto-justificar como tal na tela (como quando mostra o árabe dizendo que pertence às pessoas, ou a protagonista se sentindo uma estrangeira dentro do próprio país) o tornaram completamente incapaz de articular-se dentro de um panorama contemporâneo político. A maneira pela qual joga em cena uma jovem americana idealista, que vivera boa parte de sua vida afastada de seu país retornando, e entrando em choque com a realidade escondida dos noticiários só não é mais assustadora do que a forma como apresenta o velho veterano de guerra, seu outro protagonista - um sujeito que se tornou obcecado pela paranóia americana pós-11/9, e passa seus dias numa van na procura de suspeitos árabes para o governo.

Wenders se implode ao ser incapaz de colocar em cena um mínimo de dúvida – além de só filmar certezas, as faz soarem um tanto covardes. Há espaço de sobra para personagens abaixarem a cabeça e zero de interesse de se pensar uma mudança. Enquanto Michelle Williams (a jovem) se surpreende com a quantidade de pessoas que passam dificuldades nos EUA, John Diehl (o tio paranóico), se perde pela cidade com seu veículo-tanque, na busca de reencontrar as glórias de seu país. Terra da Fartura é assim assustador, não por uma realidade que pretende a única possível, mas pela forma em que a mostra e pelas escolhas que impõe às pessoas que retrata perante o que mostra, Mas, acima de tudo, pelo reflexo de uma incompetência assustadora por parte de um cineasta que um dia fez filmes de muita força - mas que exibe uma quase total falência de um mínimo de habilidade enquanto criador de cinema.

O discurso bisonho do cineasta tem ápice em três momentos terríveis: John Diehl entrando numa lixeira para buscar provas de uma de suas paranóias e sendo interrompido pelo toque de seu celular (o hino americano); tio e sobrinha se reconciliando, enfim, e para tal tendo que relatar o dia de seus horrores, ele na guerra do Vietnã, ela no dia dos atentados de 11/9; e acima de tudo, a cena em que Diehl, perseguindo um grupo de suspeitos, acaba na casa de uma velha que lhe pede que troque o canal da TV pois já não pode mais suportar aquilo: um discurso de Bush. Os heróis de Wenders são pessoas que, ao verem uma notícia ruim na TV, trocam de canal.

O que nos leva mais uma vez, então, à falência cinematográfica de Wenders: incapaz de articular em cena seu discurso sem que este soe grosseiro – as cenas mais importantes para fazer claras suas intenções chegam com a sutileza uma furadeira. Sua construção de um painel dos EUA pós-9/11 seria muitíssimo problemática já por estas suas idéias, mas se torna vergonhosa quando vemos a forma em que a põe em cena - nada pode se salvar quando filmado desta forma. Resta, ao fim de Terra da Fartura, a verdadeira e amarga realidade: Win Wenders se tornou um velho gagá. Fim de linha.

Guilherme Martins