Construir cenas ficcionalizadas
através do acompanhamento da rotina e dos hábitos
de não-atores não é nenhuma novidade,
pelo contrário (como demonstra o cinema de Jean
Rouch, talvez o mais feliz exemplo). Trata-se de um
gesto que já deu diversos sinais da riqueza,
da força e de um potencial incrível para
escapar aos clichês fáceis de um cinema
de não-ficção interessado pelo
mito do "real" na tela. Suíte Havana,
porém, parte dessa premissa cênica de inúmeras
possibilidades narrativas, para praticar nada mais do
que um cinema de gestos friamente marcados e de uma
violenta redutibilidade da rotina de seus personagens.
Um cinema de submissão, acima de tudo.
Da trilha sonora opressiva, aos enquadramentos que buscam
uma espécie de melancolia coletiva, Pérez
faz um filme sem vida, monotônico e que, ao contrário
do que sua premissa cênica parecia insinuar, está
muito pouco interessado nas dualidades e fraturas que
uma fórmula work-in-progress de dramaturgia
poderia lhe trazer. A impressão que o filme passa
é que, desde a pesquisa e escolha de seus personagens,
o diretor já havia delineado, de forma rígida,
o perfil que lhe interessa pintar de cada personagem,
fazendo deles antes títeres de uma ficcionalização
acovardada do que corpos agentes de sua auto-representação.
A câmera antes cerceia os personagens do que compartilha
de sua temporalidade e gestualidade. Não há
faíscas no filme porque seus não-atores
estão por demais domados (ou assim o quis a montagem)
diante de uma tonalidade lírica monolítica,
imposta pela edição de som e pelo roteiro
que parecem antes sugar e ordenar a boa ordem da vida
de seus não-atores do que se deixar encantar
por elas. Isso para não citar a maneira pornográfica
com que Pérez filma o menino com Síndrome
de Down e os idosos do filme – com movimentos de montagem
que insistem em querer emocionar por uma espécie
vil e fetichista de misericórdia. "Ah, o
povo cubano e seus rostos, e sua rotina, e seu talento
noturno para as artes, e sua melancolia estrutural,
todos tão iguais em serem diferentes..."
Um gesto de um humanismo ditatorial como poucas vezes
visto nessa linhagem de cinema (e mais comum aos cinejornais
oficialescos), Suíte Havana ainda se dá
ao luxo de um desfecho constrangedor, onde os personagens
aparecem em sépia, com seus rostos congelados,
sob sinopses e "sonhos" escritos em pequenas
sentenças lacrimejantes. Difícil não
lembrar uma não tão antiga campanha publicitária
de um certo banco carioca, onde jovens senhoras, da
Zona Sul, citavam seus sonhos e onde a resposta para
tudo estava na forma como a instituição
citada estaria ali justamente para ajudar a alcançá-los...
Suíte Havana repete o procedimento, mas
agora quem "cuida de tudo" é esse humanismo
apolítico e esse desejo de emocionar através
de personagens ricos transformados (e simplificados)
em fantoches ao som de uma mesma e reticente música.
O quê se deixa clarear aqui é a incapacidade
de Fernando Pérez de saber/poder compartilhar/friccionar
seu discurso e suas verdades cênicas – se mostrando
incapaz de se tornar um agente tão disponível/frágil/corajoso,
quanto aquelas pessoas/personagens se souberam tornar.
E aí eu me pergunto, por fim: se era mesmo para
que os personagens fossem tão obedientes à
diretrizes pré-concebidas, se o filme queria
antes domá-los do que encontrá-los, porque
não chamar os bons e velhos atores tradicionais
e a eles apresentar um roteiro tradicional? Estes, ao
menos, saberiam (desde o começo) o quanto (e
o tanto!) seriam submetidos... Ou será que Fernando
Pérez teria se utilizado desses não-atores
somente como ferramentas, como muletas realistas para
uma dramaturgia não mais que banal, não
mais que covarde com o espectador?
Felipe Bragança
|