SHOUF SHOUF HABIBI!
Albert Ter Heert, Shouf shouf Habibi!, Holanda, 2004

O dia-a-dia de uma família marroquina na Holanda, caracterizado pelo desemprego, pela marginalidade, pela opressão à mulher, pela necessidade de manter os laços culturais e afetivos com o país de origem, pela luta para sobreviver neste ambiente estranho e hostil. É tudo isso que Albert Ter Heerdt trata com preconceito e intolerância, ao dar a Shouf Shouf Habibi! tom de comédia que apenas serve para ridicularizar os personagens.

Ali (Sahlah Eddine Benmoussa) passa seu tempo aplicando pequenos trambiques com os amigos. Queixa-se sempre da visão estereotipada que se tem da comunidade árabe, a qual não permite que um marroquino seja ator, por exemplo. À procura de emprego, consegue-o no banco que pretende, junto aos companheiros, assaltar, enquanto sua irmã Leila (Touriya Haoud), depois de brigar com a família, refugia-se na casa de holandês que, anteriormente, tentara-lhe seduzir.

Albert Ter Heerdt não se preocupa, em Shouf Shouf Habibi!, em se pôr no lugar de quem retrata. Há clara divergência entre aquele que representa e aqueles que são representados: trata-se da compreensão (ou, mais especificamente, da falta dela) que o cineasta holandês possui dos marroquinos que habitam em seu país, marcada pelo olhar estreito de que todo árabe é um delinqüente em potencial e de que as tradições que trouxeram para a Holanda significam o atraso e a alienação, ou seja, verdadeiras ameaças ao estilo de vida europeu, civilizado, racional e humano.

Trata-se da inversão, ou antes, de atualizar a doutrina do “fardo do homem branco”, formulada durante a corrida imperialista européia na África e na Ásia. Se a ideologia que pautava o avanço do colonialismo no século XX se caracterizava pela missão cristã de educar os povos bárbaros e incultos das nações conquistadas (pois “tribos” é termo pejorativo, inventado pelo conquistador), levando-lhes a lei, a cultura, a arte e a religião superiores do branco europeu, agora, com o movimento migratório das ex-colônias em direção às antigas metrópoles, ela aponta para a necessidade do velho continente de, absorvendo a mão-de-obra excedente dos países subdesenvolvidos, mantê-la internamente sob controle. A Europa, ao receber os miseráveis do mundo, não o faz em virtude da crise populacional que a abala (crescimento demográfico negativo) ou do barateamento dos custos de produção, mas sim devido à suposta elevação moral que possui quanto aos povos acolhidos, a qual justifica toda sorte de injustiças contra as minorias, de leis restritivas impostas pelos Estados até o neonazismo, da formação de guetos excludentes ao desemprego e ao subemprego.

Shouf Shouf Habibi!, farsa grotesca que apela para atuações caricaturais e estereotipadas, da mesma forma que para contra-plongées (câmera de baixo para cima) a serviço da bizarrice da imagem, apenas reitera a visão distorcida dos países europeus em relação aos imigrantes vindos do terceiro mundo: para Albert Ter Heerdt, “nós” (brancos, ricos e desenvolvidos) somos melhores do que “eles” (todos que não se encaixam no perfil da maioria), a quem se faz o favor de dar esmolas nos tempos de crise, e dos quais se tem o “direito” de ridicularizar com este filme preconceituoso que reduz a luta da comunidade árabe na Holanda à série de peripécias circenses.

Paulo Ricardo de Almeida