O dia-a-dia de uma família marroquina
na Holanda, caracterizado pelo desemprego, pela marginalidade,
pela opressão à mulher, pela necessidade de manter os
laços culturais e afetivos com o país de origem, pela
luta para sobreviver neste ambiente estranho e hostil.
É tudo isso que Albert Ter Heerdt trata com preconceito
e intolerância, ao dar a Shouf Shouf Habibi! tom de
comédia que apenas serve para ridicularizar os personagens.
Ali (Sahlah Eddine Benmoussa) passa seu tempo aplicando
pequenos trambiques com os amigos. Queixa-se sempre
da visão estereotipada que se tem da comunidade árabe,
a qual não permite que um marroquino seja ator, por
exemplo. À procura de emprego, consegue-o no banco que
pretende, junto aos companheiros, assaltar, enquanto
sua irmã Leila (Touriya Haoud), depois de brigar com
a família, refugia-se na casa de holandês que, anteriormente,
tentara-lhe seduzir.
Albert Ter Heerdt não se preocupa, em Shouf Shouf Habibi!,
em se pôr no lugar de quem retrata. Há clara divergência
entre aquele que representa e aqueles que são representados:
trata-se da compreensão (ou, mais especificamente, da
falta dela) que o cineasta holandês possui dos marroquinos
que habitam em seu país, marcada pelo olhar estreito
de que todo árabe é um delinqüente em potencial e de
que as tradições que trouxeram para a Holanda significam
o atraso e a alienação, ou seja, verdadeiras ameaças
ao estilo de vida europeu, civilizado, racional e humano.
Trata-se da inversão, ou antes, de atualizar a doutrina
do “fardo do homem branco”, formulada durante a corrida
imperialista européia na África e na Ásia. Se a ideologia
que pautava o avanço do colonialismo no século XX se
caracterizava pela missão cristã de educar os povos
bárbaros e incultos das nações conquistadas (pois “tribos”
é termo pejorativo, inventado pelo conquistador), levando-lhes
a lei, a cultura, a arte e a religião superiores do
branco europeu, agora, com o movimento migratório das
ex-colônias em direção às antigas metrópoles, ela aponta
para a necessidade do velho continente de, absorvendo
a mão-de-obra excedente dos países subdesenvolvidos,
mantê-la internamente sob controle. A Europa, ao receber
os miseráveis do mundo, não o faz em virtude da crise
populacional que a abala (crescimento demográfico negativo)
ou do barateamento dos custos de produção, mas sim devido
à suposta elevação moral que possui quanto aos povos
acolhidos, a qual justifica toda sorte de injustiças
contra as minorias, de leis restritivas impostas pelos
Estados até o neonazismo, da formação de guetos excludentes
ao desemprego e ao subemprego.
Shouf Shouf Habibi!, farsa grotesca que apela para atuações
caricaturais e estereotipadas, da mesma forma que para
contra-plongées (câmera de baixo para cima) a serviço
da bizarrice da imagem, apenas reitera a visão distorcida
dos países europeus em relação aos imigrantes vindos
do terceiro mundo: para Albert Ter Heerdt, “nós” (brancos,
ricos e desenvolvidos) somos melhores do que “eles”
(todos que não se encaixam no perfil da maioria), a
quem se faz o favor de dar esmolas nos tempos de crise,
e dos quais se tem o “direito” de ridicularizar com
este filme preconceituoso que reduz a luta da comunidade
árabe na Holanda à série de peripécias circenses.
Paulo Ricardo de Almeida
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