CASA DE AREIA E NÉVOA
Vadim Perelman, House of sand and fog, EUA, 2003

Se as primeiras seqüências de Casa de Areia e Névoa revelam várias deficiências, não deixam de apresentar algo de promissor. Há elegância na forma que o estreante Perelman trabalha a decoração dos vários ambientes, tão importantes para o drama que transcorre, e há também um curioso estranhamento dado a proposta do filme: construir um melodrama a partir da disputa por um imóvel, criada por um erro jurídico. É algo que não é filmado todo dia, e com que a maior parte dos espectadores pode se identificar. Mas, olhando após a sessão fica a pergunta: como é que tudo deu tão errado a ponto de o resultado final soar grotesco?

Pelo desenrolar da trama, baseada num best seller de mesmo título, não é difícil concluir que a única forma de levar aquela cadeia de eventos a sério seria se ela fosse tratada num tom farsesco ou alegórico (ou outra forma que permitisse ao espectador não imaginar tais eventos de modo realista). Como filme "de prestígio", seríssimo, em que a cada cena somos lembrados por diretor e atores da importância do projeto, a coisa tende a desabar para a comédia involuntária. Temos, por exemplo, a personagem de Ron Eldard, que nos é primeiro apresentado como um simpático e dedicado policial mas que, numa seqüência de uns quatro dias, se transforma em perigoso psicopata (e, sim, o filme pede que nós a compremos como uma lenta e gradual transformação psicológica). O filme todo aparenta ser um caso típico de um romance de bastante carga simbólica sendo adaptado por alguém que ignora isso, e tenta tratá-lo como drama psicológico - e o tipo de desastre que estas adaptações mal feitas podem gerar. Neste sentido é bastante ilustrativo.

Quanto mais o filme avança, os defeitos do trabalho de Perelman se tornam mais evidentes. Há desde coisas básicas como a dificuldade de desenvolver sua narrativa dentro da proposta de forma convincente (há, por exemplo, um sem número de cenas com Ben Kingsley, como chefe de família iraniana e ex-coronel da polícia secreta, falando inglês enquanto a esposa lhe responde em farsi) até a obsessão irritante do diretor por montagens paralelas (algumas são de uma obviedade ainda maior que as de As Horas, o equivalente de Casa da Areia e Névoa da temporada passada). Isto sem contar a supostamente rebuscada fotografia de Roger Deakins, que parece acreditar que uma imagem cheia de névoa equivale a uma imagem artística.

Exemplo dos piores do academicismo reinante no cinema americano dito sério, o filme chega a deixar saudades de melodramas "para Oscar" feito por artesãos de segunda linha da indústria como um Sydney Pollack. Mas nada que prepare o espectador para os 30 minutos finais, uma comédia de erros na frente e atrás das câmeras, que revelam Perelman como um diretor cujo talento para a comédia – involuntária – é dos mais acentuados (há uma cena especialmente engraçada, ou ofensiva dependendo do estado de espírito do espectador, onde Kingsley pede a Alá pela vida do filho). Como a coisa toda é séria, só dá para encarar se pensarmos que Perelman quis fazer um filme em que o sofrimento do espectador equivalesse ao de tentar provar que não deve uma conta falsamente atrasada.

Filipe Furtado