Amélia, de Edouard
Lock
Amelia, Canadá, 2004
Lock estréia aqui no cinema, mas é de
fato o coreógrafo da aclamada companhia de dança
de Montreal, o La La La Human Steps. E este filme trata-se
da filmagem de uma coreografia da companhia, como se
poderia imaginar. Filmagem esta, é bem verdade,
que não se resume jamais ao esquema "câmera
impassível que observa um palco", muito
pelo contrário: a câmera passeia de todas
as formas e por todos os ângulos imagináveis,
em torno dos bailarinos dispostos num espaço
fechado e monocromático. Filma a dança
por meios um tanto inesperados (principalmente nos closes
extremos, mas também de ângulos como um
contra-plongée absoluto, do teto mesmo),
e chama a atenção tanto para seu registro
quanto para as coreografias e o trabalho dos bailarinos.
No entanto, com isso tudo, ainda assim é espetáculo
de fruição maior para os admiradores da
dança do que especificamente do cinema (estes
podem até apreciar o filme, mas desde que apreciem
dança moderna também - senão é
impossível acompanhar a uma hora do espetáculo).
Já para os apreciadores do bom e velho rock n'roll,
o filme tem um atrativo adicional: a utilização
de músicas de Lou Reed/Velvet Underground (como
All Tomorrow`s Parties, I`ll be your mirror
ou Sunday Morning) em versões um tanto
quanto não-ortodoxas das mesmas. Não deixa,
nunca, de ser curioso. (Eduardo
Valente)
O Avental de Lili, de Mariano Galperin
El delantal de Lili, Argentina, 2003
Sob o pretexto de retratar os anos de crise na Argentina,
época de recessão profunda e desemprego recorde, mostrando
um casal que se vira como pode para manter seu padrão
de classe-média, Galperin comete o filme mais mal decupado
de toda a Mostra. Parece que a intenção era captar o
drama do casal com um humor que lhe conferisse leveza
e esperança, mas o tom encontrado foi o de comédia involuntária
(nos momentos mais melodramáticos) e de comédia infame
(nos momentos que buscam a risada da platéia). Nessa
estrada tortuosa - entre uma margem arborizada e outra
desolada - Galperin parece ter se decidido a ir sempre
em frente, como uma locomotiva, abrindo caminho à força
com sua câmera-brucutu. Assim, abandona-se um possível
trunfo (o estudo de uma classe-média em vias de extinção)
em favor das concessões de praxe do pior cinema comercial.
Prova que o novo cinema argentino não está de todo tão
bem assim. E que busca meio estabanado, assim como nosso
cinema recente, um diálogo fácil com o grande público.
(Sérgio Alpendre)
Bem-me-quer, Mal-me-quer, de Maria de Medeiros
Je t'aime... moi non plus, França,
2004
Primeira anotação: nada mais estranho
que se pegar com seu bloquinho de notas na mão
acompanhando uma sessão de um filme sobre a relação
entre cineastas e críticos onde se discute, e
muito, justamente a relação do crítico
com o filme, no ambiente do cinema: parece que você
está nú na sala, e todos olham para você
com estranheza. Feita a necessária anotação,
o filme de Maria de Medeiros tem o efeito de uma conversa
de bar: agradável de se participar em quase toda
sua duração, eventualmente enfadonha quando
as pessoas menos interessantes têm a palavra,
mas acima de tudo, pouco produtiva no dia seguinte mesmo
com todas as sua conclusões "brilhantes"
- exceto uma ou outra frase que voltam à memória
constantemente. Na busca de um "fio narrativo",
que tenta justificar uma dispensável divisão
do filme em episódios, narrando uma relação
amorosa suposta (entre críticos e cineastas),
a cineasta na verdade alinhava com bem pouco critério
uma quantidade enorme de depoimentos que fazem o filme
sofrer de um excesso de informação, significando
muito pouco. Há uma série de decisões
discutíveis (como misturar o assunto crítica
com o da indústria cultural), uma volta absolutamente
irritante aos mesmos versos de duas ou três canções
de Caetano Veloso, e apenas a eventual pérola
de sabedoria que vem no estilo de cada cineasta: apaixonado
como Almodóvar, ou irônico e mordaz como
Elia Suleiman. Os críticos são bem sucedidos
em grande parte em mostrar, muitas vezes, sua relação
de amor com o cinema - algo quase espiritual no caso
dos melhores. A opção por centrar tudo
num Festival de Cannes é obviamente uma de produção
(aproveita-se que estão todos juntos), mas acaba
funcionando mais do que se pensaria - menos para elucidar
alguma questão crítica-arte e mais como
retrato interno do funcionamento de um grande festival
de cinema, algo bem peculiar. De resto, são os
cineastas comprovando que falam como filmam - ou seja,
de Manoel de Oliveira podíamos ouvir mais duas
horas seguidas (e fica a impressão que uma longa
entrevista com ele seria muito mais elucidativa que
o painel buscado); enquanto de Wim Wenders, Ken Loach
ou Vicente Aranda (entre outros) já ouvimos mais
do que deveríamos. (Eduardo
Valente)
Borboleta, de Yan Yan Mak
Butterfly, Hong Kong, 2004
O despertar da maturidade necessária para assumir uma
opção sexual é captado aqui com uma pieguice de fazer
inveja até mesmo a Kim Ki-Duk. Haja sussurinhos femininos
e melodias fáceis para emoldurar dois casos de amor
lésbico, cada qual em seu tempo. No passado, a opressão
familiar; no presente, as convenções profissionais -
complicadores que a diretora utiliza sem a menor habilidade.
Muitos podem até entrar no clima adocicado e apaziguador
pretendido por Yan Yan Mak, mas mesmo esses irão se
decepcionar com a mudança de tom que o filme adquire
depois de uma hora e meia de imagens soporíferas. Na
verdade, essa mudança de tom é sua única boa sacada,
pois sua meia hora final lhe confere um aspecto de dignidade
que o restante do filme, em retrospecto, insiste em
sabotar. (Sérgio
Alpendre)
Como Eu Matei um Santo, de Teona Strugar Mitevska
Kako ubiu svetek, Macedônia/França/Espanha,
2003
Os conflitos nos países da antiga Iugoslávia continuam
rendendo assunto para os cineastas locais, como Mitevska,
natural da Macedônia. O quadro das disputas étnicas
e da resistência à OTAN em Skopje, cidade natal da diretora
poderiam, a princípio, constituir uma boa premissa para
despertar o interesse, como realmete acontece na meia-hora
inicial, que consegue introduzir com alguma competência
o espectador no confuso panorama onde se dá o reencontro
entre a irmã que retorna dos Estados Unidos e o irmão
seduzido pelo terrorismo. Mas Mitevska vai, aos poucos,
demonstrando uma mão bastante frouxa, e o clima e uma
certa força iniciais vão gradativamente se perdendo,
terminando num estado geral de apatia, com uma conclusão
que descamba para opções melodramáticas a princípio
improváveis e incompatíveis com o que parecia ser a
proposta inicial do trabalho. Fica, ao final da projeção,
uma forte sensação de desperdício de um argumento promissor.
(Gilberto Silva Jr.)
Conversaciones con Mamá, de Santiago Carlos
Oves
Conversaciones con mamá, Argentina/Espanha,
2004
Sejamos rigorosos: uma cinematografia que muitos dizem
estar renovada, com frescor e pungência, como a argentina,
não pode se orgulhar de um filme tão nulo esteticamente
quanto este Conversaciones. O que mostra que certas
generalizações resvalam sempre em uma condescendência
de quem acha que a grama é sempre mais verde no jardim
do vizinho. Se até certo ponto a peteca mantém-se em
jogo, graças sobretudo à interpretação correta (e não
mais do que isso) de China Zorrilla (a mamá do título),
cai sem piedade quando o diretor mostra não confiar
na sua capacidade de dramaturgia abusando de um didatismo
estéril e limitador. Se o filme possuía uma bela possibilidade,
como em O Filho da Noiva, de filmar com busca pela
vida e pelo prazer, tudo esvai-se num rame-rame açucarado
e muito mal filmado. Um filme que se encerra com um
dos piores usos de grua que se tem notícia, além de
apelar para uma tomada de consciência muito mal realizada,
por meio de uma visão do próprio passado (e o gancho
que o filme coloca nesse sentido é de uma pobreza absoluta).
Mas a platéia da Mostra aplaudiu, sinal de que colocar
um contraplano do personagem quando criança, com chuva
caindo em câmera lenta, olhando para ele mesmo mais
velho, é um artifício de encenação que ainda engana
muita gente. (Sérgio
Alpendre)
Detroit, de Carsten Ludwig
Detroit, Alemanha, 2004
Bom, todo mundo anda falando muito do novo cinema alemão,
não é? Tirando o belo O Estado em Que Me Encontro,
tudo isso parece muito barulho para nada - nada mesmo.
Mas, há um buraco aqui na programação do dia, não custa
dar uma conferida nesse Detroit, que afinal não
conta nem 80 minutos de duração. Entro na sala, as luzes
se apagam, começa o filme: Edzard dirige rumo a Braunschweig
para o funeral do irmão mais velho. Tá. Ele pega um
carona. Cria-se o eventual mal-estar quando o caronista
fala alguma coisa da terra natal do motorista, o motorista
pede para que o caronista saia do carro, até que grosseiramente
joga a mochila do pobre viajante ponte abaixo (risos
na sala). Ah, tá, parece que o lance espertinho desse
cara é situações constrangedoras daquelas que às vezes
a gente vive na vida em contato com estranhos, né? Hmm.
Próxima. Edzard pára num banheiro, um estranho fala
uma frase pra lá de profunda e vai embora. Naturalmente,
Edzard vai atrás do sujeito, que já está no balcão da
estação conversando com outra pessoa. Insistente e chato,
Edzard é repelido pelo homem. Mais tarde, Edzard reencontra
o caronista. O caronista fala: "Não entro de forma
alguma no seu carro novamente". Corte seco para
o caronista no banco de trás de Edzard (novos risos,
mais acentuados, na sala). Nossa, que esperto esse cineasta...
Bem, se este é o novo cinema alemão, parece que o sono
ainda é opção mais viável e reconfortante nas salas
de cinema. (Ruy Gardnier)
Dez sobre Dez, de Abbas Kiarostami
Ten on Ten, Irã, 2003
Dez sobre Dez, o próprio Kiarostami admite,
é muito mais uma aula de cinema (no sentido acadêmico
mesmo) do que um filme - alguns na Mostra chamavam de
"o mais genial extra de DVD jamais exibido num
cinema". Na verdade é quase uma declaração
de princípios do cinema de Kiarostami, ou melhor
ainda, do cinema de Kiarostami no precioso Dez.
Como professor de cinema, o cineasta se revela ao mesmo
tempo extremamente severo e bastante gentil, tentando
abrir seu processo de criação/produção
ao mesmo tempo em que refletindo sobre outros, localizando-o
historicamente e destrinchando-o ponto a ponto (o filme,
como o título indica, é dividido em dez
partes, como o filme que o inspira). Há momentos
em que toma demasiado tempo em suas explanações
(especialmente na parte do trabalho com não-atores),
sem evitar se repetir um pouco. Mas há muitos
momentos preciosos (como aquele sobre a trilha sonora
em cinema, ou sempre que ele intervém em imagens
de Dez, ou nos revela um final alternativo que
não foi usado no filme), e no final são
estes que sobressaem. Nada maior porém do que
o plano final, onde, da cartola, Kiarostami tira uma
imagem de tamanha força expressiva para encerrar
seu documentário que não podemos deixar
de pensar que, simplesmente isolada como um curta, aquela
imagem teria a força equivalente a quase tudo
que vimos até então. Impressionante prova
de inspiração que quase ratifica tudo
que foi dito antes; fecho de ouro que é, em si,
uma outra aula de cinema como as que Kiarostami já
se acostumou a nos dar - filmando. (Eduardo
Valente)
Dois Anjos, de Mamad Haghigat
Deux fereshté, França/Irã,
2003
Tudo em Dois Anjos transpira boas intenções:
um filme sobre a possibilidade da rebeldia pela via
da arte, onde um garoto de uma cidade do interior tenta
escapar dos limites que seu pai, um religioso convicto,
quer impor a ele. Com o apoio da mãe, o menino tenta
começar a aprender música, mas todo esforço será inútil
para ele (sabemos disso desde o início, porque o filme
se estrutura em cima de um flashback depois da chegada
do pai na mesquita, cheio de sangue, para pedir perdão).
E entre ler este parágrafo acima e assistir ao filme,
há pouca diferença, porque para além das boas intenções
sobra muito pouco de interesse cinematográfico no filme
de Haghigat – pelo contrário. Mal resolvido dramaticamente,
preso numa estrutura tão limitada quanto a visão do
pai que deseja criticar, o filme além de tudo é muitíssimo
mal filmado, confundindo seguidamente movimento de câmera
com dinamismo de linguagem. Em cima deste panorama,
o filme ainda tenta oferecer algumas “imagens poéticas”
(relacionadas aos anjos do título), que nunca chegam
a se fundir com a narrativa realista. No panorama do
cinema iraniano que nos é permitido assistir nos festivais
brasileiros, Dois Anjos representa mais um passo
atrás em relação a tantas coisas que já vimos do que
algum efetivo avanço. (Eduardo
Valente)
Música Cubana, de German Kral
Musica cubana, Cuba/Alemanha, 2004
Misto de ficção e documentário que se propõe como uma
conclusão à Buena Vista Social Clube, traçando
um panorama do que acredita ser o que há de melhor na
jovem música cubana. O máximo de interesse que vem a
surgir cá ou lá é derivado da pulsante música constantemente
em cena, mas que nunca justifica as lamentáveis incursões
do longa no documentário social, ao relatar a “realidade”
dos artistas locais. O cineasta consegue tirar algo
dos momentos mais encenados do filme, e muito pouco
dos momentos em que se satisfaz em estar continuando
a saga de Buena Vista Social Clube. Pouco cinema
a se admirar. (Guilherme
Martins)
Olga Benario - Uma Vida pela Revolução,
de Galip Iytanir
Olga Benario - Ein lieben fur die revolution,
Alemanha, 2003
Olga Benario – Um Vida pela Revolução
é rapidamente identificável como um filme-slide,
dois tempos de aula de história (a regulamentar
1h40) com sala escura e o professor de tempos em tempos
mudando a fotografia que aparece na tela. O exemplo
mais notável: assim que na banda sonora ouvimos
"Em Paris...", a imagem mostra a torre Eiffel
e o Arco do Triunfo. Para ilustrar as cenas da vida
de Olga Benario, Otto Braun e Luiz Carlos Prestes, o
filme se utiliza do costumeiro expediente de dramatizações
com encenação primária – que, no
entanto, não ficam nada a dever em relação
ao filme de Jayme Monjardim, também completamente
primário – que parecem nem ajudar nem atrapalhar
o filme, só fazê-lo passar. Uma Vida
pela Revolução acaba servindo apenas
como um reles trabalho de correção histórica
audiovisual da personalidade de Olga Benario: ela passava
longe do esquematismo ninotchkiano criado pelos roteiristas
de Olga como uma mulher que passa da revolução
ao amor, e sua vida dificilmente seria palco de um filme
para as pessoas chorarem ao ver uma mãe ter a
filha retirada de seu colo. Mas isso já sabíamos,
não? (Ruy Gardnier)
Oro Nazi en Argentina, de Rodolfo Pereyra
Oro nazi en Argentina, Argentina, 2004
Algumas obras se conceituam como uma busca por fatos
históricos, e tendem naturalmente a gerar algum tipo
de interesse sem grandes dificuldades. É de certa forma
o que ocorre com este documentário argentino, um mapeamento
das relações políticas entre Argentina e Alemanha nos
tempos de Hitler. Há diversos depoimentos de algum valor,
mas que não vão muito adiante pela forma que Pereyra
opta para aproximar-se dos fatos em questão: a dramatização.
Uma quantidade considerável da obra usa este elemento,
e se considerando que as dramatizações em questão são
consideravelmente mal realizadas (lembram em seus piores
momentos os programas policiais da TV), fica difícil
ir muito adiante. Com isso, não demora muito para que
todo o interesse histórico fique de lado e o filme se
torne simplesmente insuportável. (Guilherme
Martins)
A Paisagem que Flutua, de Lai Miu-suet
Lian zhi feng jing, Hong Kong, 2003
Foi-se o tempo em que os filmes das ilhas chinesas eram
esperados com ansiedade porque sabia-se que vinha no
mínimo uma proposição forte de cinema. Hoje, instituídos
os grandes (Hou Hsiao-hsien, Wong Kar-wai, Tsai Ming-liang,
Edward Yang, Fruit Chan), fica difícil achar nas novas
gerações de cineastas algo da mesma seiva em que cresceram
os mestres de hoje e novatos de outrora. A Paisagem
que Flutua não surpreende pela incompetência - afinal,
até é um filme competente -, mas pela absoluta mediocridade
de suas propostas e realização. Planos bonitos, alguns
estranhamentos interessantes, tudo isso de alguma maneira
inoculado por um relato rastaqüera de uma jovem que
deseja viver as últimas lembranças do amado morto antes
que todas elas se vão, e de um jovem carteiro que se
apaixona por esta moça e decide ajudá-la a encontrar
uma paisagem que povoou emocionalmente a infância de
seu antigo amor. A simbologia do filme é primária: quando
os dois se encontram pela primeira vez, é ela que pede
informações sobre como chegar num endereço (leia-se
claramente: ela está perdida, não sabe para onde ir
em sua vida); além disso, ela reescreve os diários de
seu ex-parceiro (leia-se claramente: ela ainda vive
os dias em que ele estava vivo). Alguma poesia, sim,
algum talento, sim, mas de fruição difícil num filme
eivado de lugares-comuns. (Ruy
Gardnier)
Porão, de Eric Werthman
Going under, EUA, 2004
O espectador comum provavelmente sairá do filme sem
saber o que leva uma pessoa a querer sentir dor, além
de se decepcionar com os tempos mortos (de resto, as
únicas demonstrações de habilidade na direção, ainda
que um deles – o de Geno Lechner dançando entre panos
– seja patético). O espectador mais atento, sairá frustrado
pela total ausência de tentativas de inovações de linguagem,
ou de pelo menos algo mais do que a fotografia escura
e a câmera discreta no filmar a pele humana. E os adeptos
do sado-masoquismo ficarão revoltados com o tratamento
de perfumaria dado à prática. A quem interessa o filme,
então? A uma pequena parcela dos "mudernos"
que acompanham festivais de cinema para continuarem
modernos e desejam apenas uma ousadia domesticada para
que seus dogmas não caiam por terra. (Sérgio
Alpendre)
Sede, de Twafik Abu Wael
Atash, Israel, 2004
Nos primeiros dez minutos, Sede coloca em cena
um número impressionante de travellings
sem o menor motivo. É verdade que depois o filme
se assenta um tanto, mas o que a sensação
que fica deste início, e que não se dissipará,
é a de um cineasta lidando com um material sobre
o qual tem pouco domínio, e que portanto tenta
compensar com artifícios (como os movimentos
de câmera acima citados), buscando dar algum interesse
a um filme que, de fato, tem muito pouco. A título
de desenvolvimento narrativo, Sede é um
"filme-de-nota-só" - duelo entre pai-controlador
e família-vitimizada, cujo maior interesse seria
sua localização num vale inóspito
e abandonado de uma Israel pouco vista no cinema. Já
que a opção é por uma narrativa
que não evolui, supõe-se que o filme precisaria
de muito carisma da parte dos atores, ou de muito clima
para se sustentar. Uma vez que nenhuma das duas coisas
é vista com constância no filme, resta
um espetáculo bastante tedioso, num scope elegante
mas seguidamente mal utilizado.
(Eduardo Valente)
O Último Filme de Terror, de Julian Richards
The last horror film, Inglaterra, 2004
Um daqueles casos estranhos de “sabe-se lá porque este
filme caiu numa sala de cinema”, já que todo o conceito
de O Último Filme de Terror é montado em torno
de um serial killer que grava, por cima de uma fita
de vídeo alugada (de um filme de terror supostamente
vagabundo), seu próprio filme. É tudo arquitetado de
tal forma que não nos deixa outra opção além de achar
um bocado estranho estarmos vendo aquilo no cinema.
Para além disso, o cineasta não consegue mais do que
ser cínico e pouco ousado nas imagens que cria e que
pretende como algo definitivo em termos de horror. A
imagem final que fica é a de que a primeira cena que
pertenceria ao tal filme que ‘alugamos’ gera um bocado
mais de interesse que a bobagem que se segue em cena.
(Guilherme Martins)
Vôo Cego Rumo Sul, de Hermano Penna
Brasil, 2004
Ao final deste novo trabalho do diretor de Sargento
Getúlio sobem créditos que localizam,
de forma um tanto generalizante, o período da
ditadura militar brasileira, em cujo início se
passa a história narrada. Antes de qualquer outra
coisa, estes créditos revelam, acima de tudo,
o objetivo profundamente didático deste trabalho,
algo que se sente em toda a duração desta
ficção altamente teatralizada. E faz algum
sentido, uma vez que o filme se destinaria à
TV - mas que, peculiaridades do cinema brasileiro, trata-se
de um ganhador de edital para produção
de "telefilme" que, uma vez terminado, não
tem TV para passar - já que o canal criado no
Governo anterior (Cultura & Arte), onde os filmes
do edital passariam, foi extinto. Neste sentido, sua
exibição da Mostra de SP é quase
um respiro para um filme engasgado, mas se revela uma
janela não muito adequada a um filme de ambições
tão claramente delimitadas - seja em proposta,
seja em condições de produção.
Se é verdade que algumas das soluções
encontradas para fugir da falta de recursos (ambientação
quase totalmente dentro de um carro, estrada constantemente
vazia) acabam servindo ao desejo de criação
de um "microcosmo claustrofóbico" que
o filme possui, por outro lado em vários outros
pontos fica a sensação de que muita coisa
ficou faltando. Inclusive, o que surpreende sempre que
se pensa na interpretação de Lima Duarte
no mais conhecido filme de Penna, no trabalho com os
atores - que quase sempre soa mal resolvido, em processo.
Talvez, no futuro, este trabalho de Penna tenha mais
permanência por elementos externos a ele (como
esta bizarra situação que o torna, para
usar termo da moda, "invisível"), do
que exatamente por suas qualidades artísticas
- que acabam resultando mais limitadas mesmo do que
as do filme anterior do cineasta (Mario). Torce-se
muito que Penna recupere rapidamente o punch de
seus trabalhos iniciais, porque o cinema brasileiro
bem precisaria disso.
(Eduardo Valente)
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