A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS
Amauri Tangará, Brasil, 2004

Na saída de uma sessão de imprensa, uma jornalista (cujo nome não é revelado aqui por falta de autorização) definiu a 8ª Cor do Arco-Íris: “Não é fácil fazer um filme iraniano”. Descontada a generalização contida no termo “filme iraniano”, por pressupor a homegeneidade de uma produção heterogênea, a frase não deixa de ter a sua felicidade. Isso, se por “filme iraniano” quisermos entender alguns filmes de Kiarostami (em especial Onde Está a Casa de Meu Amigo?) e Panahi (em especial O Balão Branco), com suas dramaturgias seqüenciais, de repetição, nas quais o quase nada, o evento mínimo, é elevado à condição de épico. Que fique claro que é um épico minimalista, épico da imobilidade, no qual as metas traçadas são secundárias (em geral não cumpridas) de modo a se valorizar o processo, não a tarefa e o resultado. A força dessas narrativas está menos nos acontecimentos e nas motivações dos personagens, mas concentra-se acima de tudo na força de vida contida em pequenos gestos, em situações sem funcionalidade dramática, em encontros pelos percursos - extraindo desses hiatos da existência a poesia do inesperado, do mínimo denominador comum.

É esse o caminho buscado por essa produção matogrossense, que não por acaso também se constrói narrativamente como busca. O percurso mostrado é o de um garoto do interior que, clandestinamente, pegue carona em um caminhão até Cuiabá, onde, para comprar remédio para a avó doente, tem de vender sua cabra, mesmo sem desejar abrir mão dela. Em sua jornada pelas ruas, encontra gente diversa (um velho, delinqüentes mirins, dois hippies, um pintor, uma empregada doméstica que recebe o santo), sempre tratada como caricatura, como tipo, sem impor-se pela  singularidade (a exemplo de Onde Está a Casa do Meu Amigo?). Nenhum desses encontros produz verdade ficcional ou revela autencidade no registro documental (pouco importanto se alguns trechos são documentais ou encenados). Amaury Tangará coloca o protagonista em interação com essas vidas urbanas, em espaços públicos, mas não se apreende nada dos encontros: todas as situações parecem lá estar apenas para que se mantenha o menino em deslocamento por pontos turísticos e periféricos de Cuiabá.

O uso abusivo de dois tipos de trilha-sonora, uma para amanteigar as emoções (horrível), outra para produzir efeito de desordem (apenas ruim), talvez derive da consciência da fragilidade visual. Com imagens granuladas e cores esmaecidas (não se sabe se por estilo ou por circunstância de produção), às vezes captada com lentes destinadas à deformação das formas originais da arquitetura para remodelá-las no espaço, a narrativa jamais transforma o documental em verossímil. O problema mais grave não está na ação dentro dos quadros, mas em como se filma essas ações, em como não se extrai nenhuma poesia ou vitalidade desses instantes, em como não se extrai espontaneidade alguma dos atores. Por isso a frase da jornalista, de forma geral, é de sábia simplicidade: não adianta empregar fórmulas exitosas, como as de Kiarostami e Panahi, porque cada fórmula pede um olhar singular, uma busca da verdade no artifício, sem o qual não há expressão possível.

Cléber Eduardo