O REVÓLVER AMADO
Kensaku Watanabe, The loved gun, Japão, 2004

É um tanto complicado construir uma visão acerca de uma obra que lhe parece tão distante em termos culturais, o que surge como um dos empecilhos da concretização de uma relação mais acertada com O Revólver Amado. Boa parte do projeto formal do filme realizado por Watanabe consiste em tentar recriar dentro das noções de cinema o universo do mangá, e a partir daí entrelaçar as linguagens até um encontro que se dá no último plano, onde a imagem congelada se transforma num quadrinho desenhado. Seria equivocado também tentar entrar numa discussão sobre os mangás, tendo em vista que no máximo levaria as idéias para longe do cinema, ainda que Watanabe realize tudo de tal forma que não soe tão estranho pensarmos tal objeto da cultura japonesa.

Se os mangás em si não levantam tanto interesse, esta tal tentativa de articulá-los enquanto cinema gera no mínimo uma noção das capacidades do cineasta em manipular imagens, sejam estas de maior ou menor interesse, sempre variando dentro do filme. A narrativa se estrutura de forma a lembrar não só os desenhos japoneses, mas também trazendo semelhanças estruturais com o western clássico, o que faz estranho paralelo entre as culturas orientais e ocidentais. A idéia de dois personagens – e ainda, matadores, verdadeiros pistoleiros do século XXI – percorrendo cada um seu caminho para um aguardado duelo entre si, adicionando ainda uma forte carga emocional, não só lembra um bocado os faroestes, como também é um dos pontos de maior interesse do filme - muito mais do que algumas idéias de cinema extremo que chegam a lembrar Takashi Miike, mas passando bastante longe do talento de seu compatriota.

Watanabe é acima de tudo um cineasta capaz de criar imagens fortes - o próprio longo plano seqüência inicial é um bom exemplo de imagens que, mesmo questionáveis em outros quesitos, são de uma habilidade com o pôr-em-cena que por si só já seguram um forte interesse no filme. O grande problema, então, surge no fato de que o filme não se sustenta só por elas, e que constantemente seus vôos começam a ficar menos interessantes, sempre emperrados por soluções narrativas eventualmente bobas, mas também com incursões que não funcionam na maioria do tempo - como a tentativa de criar uma relação aprendiz e mestre entre o matador veterano e o jovem principiante. Este segundo personagem, em particular, é um dos constantes pontos de queda do filme, construído em cima das piores piadas (ainda que tenha uma das melhores cenas do filme, já depois do clímax). Em um filme onde o senso de humor oscila um bocado, construir um personagem basicamente em cima de piadas (e no caso deste, raramente de qualquer graça) não poderia dar muito certo.

Emulador de uma cultura particular japonesa, Watanabe também irá ecoar um pouco da liberdade formal de um Seijun Suzuki (com quem trabalhou, aliás), ainda que com uma distância de qualidade abismal. A forma de construir um olhar lembrará Suzuki, mais do que o olhar em si. Se Watanabe ainda precisa amadurecer seu cinema (seja qual o caminho percorra - e julgando pelos melhores momentos de O Revólver Amado, preferencialmente a porralouquice total), este seu segundo longa já traça alguns que, se nem sempre acertam, possuem seus momentos.

Guilherme Martins