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                         Para quem procura características 
                          comuns nos filmes dos últimos anos, aqui temos 
                          um personagem recorrente: o estrangeiro cujo olhar revela 
                          "O Brasil", com este olhar revelador 
                          tendo suas características próprias em 
                          cada filme (desde A Grande Arte, passando 
                          por Tudo É Brasil, Jenipapo, Amélia, 
                          O Xangô de Baker Street, O Rio de Jano e por 
                          aí vai...). Pois bem, Lost Zweig, o filme 
                          mais recente do veterano Sylvio Back, é um novo 
                          filme a tratar deste olhar - com a característica 
                          de querer retratar um suicida, a partir da história 
                          de Stefan Zweig e os conflitos que enfrentou no Brasil 
                          até matar-se. É triste a história 
                          do personagem e a tese construída é bem 
                          clara no retrato que faz do intelectual e do país: 
                          o autor de um livro chamado Brasil, País do 
                          Futuro foi acusado de apoiar uma ditadura e depois 
                          matou-se no seu país do futuro a partir 
                          de uma depressão causada por não poder 
                          evitar o assassinato de judeus pelo regime nazista, 
                          uma vez que não teve a colaboração 
                          do governo varguista. 
                           
                          Este retrato da luta do digno intelectual contra 
                          a má política, no entanto, teria diversas 
                          armadilhas na sua realização, estéticas 
                          e narrativas – e, com toda a experiência de Sylvio 
                          Back, o filme não parece ter sucesso em escapar 
                          delas. Predomina um tom de didatismo e solenidade nas 
                          conversas entre os personagens que certamente não 
                          contribui para que a narrativa fuja da mitificação 
                          cansativa do dito intelectual admirável. 
                          Mostra-se longamente a obsessão de Zweig em criar 
                          um país judeu num território brasileiro 
                          e em obter permissão para tirar seus compatriotas 
                          do alcance do regime nazista - mas, se toda a recriação 
                          histórica abunda de indignação 
                          por uns e admiração pelo outro, ela erra 
                          de tom gravemente ao registrar seu percurso. Este tom 
                          solene, constante no filme, evidencia a falha no percurso: 
                          o cinema didático e questionador 
                          faz um discurso convicto de sua superioridade natural, 
                          a sabedoria de seus ensinamentos, que traz ao 
                          filme um ar em nada surpreendente ou envolvente.  
                           
                          Além disso, o filme arrisca confundir seu olhar 
                          com o do estrangeiro com retratos folclóricos 
                          óbvios e desprovidos de qualquer surpresa 
                          que os possa tornar personagens ou algo mais que estereótipos 
                          - seja o político sórdido ou a 
                          prostituta ou a mãe-de-santo que conta 
                          aos espectadores os estado de espírito do protagonista. 
                          É o que se percebe na cena em que um Orson Welles 
                          chanchadesco cai de pára-quedas no filme (também 
                          num retrato que não foge do estereótipo), 
                          filmando algo que, a princípio, teria algo a 
                          ver com um carnaval – com pessoas com fantasias de escola 
                          de samba desfilando na praia. Esta escola de samba "Unidos 
                          de Copacabana" talvez seja a imagem que alguns 
                          estrangeiros fazem da folia carioca - mas não 
                          conviria a um retrato de um estrangeiro feito no Brasil 
                          acreditar nas impressões superficiais de seu 
                          protagonista. Esta confusão entre visão 
                          superficial e retrato fiel pode não ser a intenção 
                          inicial do realizador – mas o filme não consegue 
                          fugir dela. Em realidade, o carnaval não era 
                          retratado por Welles com mulatas desfilando na praia 
                          (a história de praia era com jangadeiros...) 
                          e as pessoas não falam inglês no Brasil, 
                          nem têm o hábito de fazer traduções 
                          simultâneas para o inglês do que dizem em 
                          português. Pessoas (e bons personagens) não 
                          precisam explicitar suas intenções em 
                          todos os momentos, como teimam em fazer os personagens 
                          de Lost Zweig - sobretudos os políticos, 
                          bons ou maus, que preferem a dissimulação 
                          à explicitação grosseira de seus 
                          interesses.  
                           
                          E a construção narrativa, se não 
                          foge de diversas armadilhas, chega ao ponto de buscar 
                          uma para si. A descontinuidade temporal, tão 
                          em voga nos filmes recentes, surge no meio do filme 
                          sem trazer com isso qualquer ganho ao desenrolar do 
                          filme – ao contrário, isto dá à 
                          parte final um tom de epílogo interminável, 
                          já que o personagem volta à cena após 
                          cometer suicídio e ser enterrado. O truque narrativo 
                          não evita que a narrativa pareça engessada 
                          pelo tom solene sempre presente, nem tampouco ajuda 
                          que ela traga à trama tons mais pessoais, ambíguos, 
                          falhos, humanos enfim nos personagens e no mundo que 
                          quer retratar. Não há selos ou cartas 
                          à ex-mulher que possam construir para nós 
                          que assistimos uma idéia de sentimentos pessoais 
                          se nestes pequenos atos não há qualquer 
                          convicção ou interesse da narrativa, preocupada 
                          tão-somente em nos mostrar como seu protagonista 
                          é admirável.  
                           
                          Um realizador com a história que Sylvio Back 
                          tem no cinema certamente tem plena noção 
                          das limitações que o tom didático 
                          e solene escolhido traria ao filme. Para os que estiverem 
                          predispostos a meditar sobre a trajetória de 
                          Stefan Zweig, o filme pode mesmo servir como estímulo 
                          ou ponto de partida – como já funcionava o livro 
                          de Alberto Dines em que se baseou. Aos que não 
                          tiverem esta predisposição, no entanto, 
                          é improvável que Lost Zweig consiga 
                          seduzir ou provocar maiores reflexões. 
                           
                            
                          Daniel Caetano 
                          
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