Este segundo longa de Rosenfeld
apresenta uma série de questões para o
espectador desavisado, que nada conheça do projeto.
A primeira, e mais óbvia, se dá quanto
ao estatuto daquilo que se vê: trata-se de imagem
documental, construção ficcional, ou mistura
de ambos? Não que necessariamente isso faça
diferença, mas é sempre uma curiosidade.
Respondemos, então: o personagem-principal (quiçá
único) do filme é interpretado por "ele
mesmo", por assim dizer, e o time de rugby
de aborígenes argentinos realmente existe. No
entanto, tendo tomado conhecimento da existência
desta realidade, Rosenfeld optou por criar toda uma
encenação em torno deste grupo e, essencialmente,
deste personagem principal que é o seu treinador.
A segunda pergunta, porém, é bem mais
rica e difícil de responder: afinal, o que pretende
Rosenfeld ao urdir esta ficção sobre este
personagem real? Aí precisaremos ir ao filme
em busca de pistas - e o fato é que nem sempre
as encontraremos. Rosenfeld optou por fazer um filme
de duração extremamente curta (pouco mais
de uma hora), e nesta opção o que se sente
é uma certa indefinição do projeto
do filme, que acaba deixando um gosto de "falta
algo" com o espectador. Ele optou, por exemplo,
por fugir de um retrato mais sociológico da vida
dos aborígenes - o que, embora pareça
uma opção inteligente e correta, implicou
num outro problema: não temos nenhuma relação
com nenhum daqueles personagens que, tornados um grupo
quase homogêneo, despertam pouquíssima
empatia. É por isso que podemos afirmar que o
único personagem do filme é mesmo seu
treinador, a quem acompanhamos em casa, em viagens,
em conversas telefônicas, etc.
Mas, aí surge um outro problema: Rosenfeld optou
por construir este personagem cheio de matizes e contradições
(um fascinado pela guerra, de inclinações
claramente direitistas, e ainda assim um defensor das
etnias menos favorecidas e um coração
de grande paixão e compaixão), o que,
para além do louvável, é questão
mesmo de posicionamento perante a vivência humana.
Só que, para um personagem tão complexo
quanto este, Rosenfeld usa com alguma complicação
alguns dispositivos narrativos (como o pensamento em
primeira pessoa em off) ou estéticos (como
a câmera "documental" dentro de casa),
que criam uma série de possibilidades de leitura
que vão sendo abandonadas na estranha correria
para terminar o filme. Fica a sensação
de termos roçado um personagem fascinante, sem
que ele tenha conseguido chegar a se estabelecer como
tal.
Talvez por conta disso, La Quimera... tem a sensação
de construção de um curta, sem ter a concisão
destes - e para um longa lhe falta centro, aprofundamento,
dedicação. Como está, temos acesso
a um objeto dos mais estranhos e, em ocasiões,
engajantes, mas que deixa inegável sensação
de incompletude, quase de projeto não pensado/levado
até o final. Pena, mas que dá vontade
sim de acompanhar os caminhos do jovem cineasta.
Eduardo Valente
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