LA QUIMERA DE LOS HEROES
Daniel Rosenfeld, La quimera de los héroes, Argentina/França/Dinamarca, 2003

Este segundo longa de Rosenfeld apresenta uma série de questões para o espectador desavisado, que nada conheça do projeto. A primeira, e mais óbvia, se dá quanto ao estatuto daquilo que se vê: trata-se de imagem documental, construção ficcional, ou mistura de ambos? Não que necessariamente isso faça diferença, mas é sempre uma curiosidade. Respondemos, então: o personagem-principal (quiçá único) do filme é interpretado por "ele mesmo", por assim dizer, e o time de rugby de aborígenes argentinos realmente existe. No entanto, tendo tomado conhecimento da existência desta realidade, Rosenfeld optou por criar toda uma encenação em torno deste grupo e, essencialmente, deste personagem principal que é o seu treinador.

A segunda pergunta, porém, é bem mais rica e difícil de responder: afinal, o que pretende Rosenfeld ao urdir esta ficção sobre este personagem real? Aí precisaremos ir ao filme em busca de pistas - e o fato é que nem sempre as encontraremos. Rosenfeld optou por fazer um filme de duração extremamente curta (pouco mais de uma hora), e nesta opção o que se sente é uma certa indefinição do projeto do filme, que acaba deixando um gosto de "falta algo" com o espectador. Ele optou, por exemplo, por fugir de um retrato mais sociológico da vida dos aborígenes - o que, embora pareça uma opção inteligente e correta, implicou num outro problema: não temos nenhuma relação com nenhum daqueles personagens que, tornados um grupo quase homogêneo, despertam pouquíssima empatia. É por isso que podemos afirmar que o único personagem do filme é mesmo seu treinador, a quem acompanhamos em casa, em viagens, em conversas telefônicas, etc.

Mas, aí surge um outro problema: Rosenfeld optou por construir este personagem cheio de matizes e contradições (um fascinado pela guerra, de inclinações claramente direitistas, e ainda assim um defensor das etnias menos favorecidas e um coração de grande paixão e compaixão), o que, para além do louvável, é questão mesmo de posicionamento perante a vivência humana. Só que, para um personagem tão complexo quanto este, Rosenfeld usa com alguma complicação alguns dispositivos narrativos (como o pensamento em primeira pessoa em off) ou estéticos (como a câmera "documental" dentro de casa), que criam uma série de possibilidades de leitura que vão sendo abandonadas na estranha correria para terminar o filme. Fica a sensação de termos roçado um personagem fascinante, sem que ele tenha conseguido chegar a se estabelecer como tal.

Talvez por conta disso, La Quimera... tem a sensação de construção de um curta, sem ter a concisão destes - e para um longa lhe falta centro, aprofundamento, dedicação. Como está, temos acesso a um objeto dos mais estranhos e, em ocasiões, engajantes, mas que deixa inegável sensação de incompletude, quase de projeto não pensado/levado até o final. Pena, mas que dá vontade sim de acompanhar os caminhos do jovem cineasta.

Eduardo Valente