GEMINI
Hans Fabian Wullenweber, Tvling, Dinamarca, 2003

Logo nos primeiros planos, Gemini nos apresenta o que parece ser uma das duas únicas possíveis estéticas de um filme escandinavo atual: a estetização absoluta no trato com a luz e as cores na tela do cinema, de preferência em scope. Esta "escola", por assim dizer, da qual Reconstrução de um Amor ou Dogma do Amor são exemplos recentes mais conhecidos, na verdade complementa a outra opção, que pareceria ser sua oposição total - a visualidade-Dogma com sua aparente falta de cuidado estético (que não é verdade em Os Idiotas, mas em todos os outros parece ser) e "urgência". No entanto, não importa muito qual das duas opções os cineastas dinamarqueses pareçam usar (e claro que aqui sabemos estar generalizando a partir do pouco do cinema de lá que nos chega), o que importa é que, em qualquer uma delas, o que sobressai da tela quase sempre parece ser um profundo desprezo por aqueles personagens que se filma. Mesmo quando, como acontece neste Gemini, tenta-se pintá-los com aparente simpatia (quando na verdade, trata-se de compaixão - nada pior para se ter por seus personagens).

A pista de que esta é a visão de mundo de Wullenweber surge no começo do filme, quando ainda estamos sendo apresentados aos personagens e ambientes de que o filme tratará. Ali, sem qualquer função dramática que não o choque pelo desprezo, surge um close de uma privada do alto, depois que o protagonista do filme despeja ali os dejetos que sua mãe, aparentemente paraplégica (depois isso se complica no filme), precisa depositar em um penico. Nada no filme até então abria espaço para esta celebração (lembrem-se: em scope, com cores alteradas) do asco completo, e o plano serve como um divisor de águas na recepção do espectador de tudo que o filme apresenta: a Wullenweber interessa mostrar o sujo da existência humana, o patológico em cada um dos seus personagens. O que, alías, não tem nada de errado em si - a não ser quando a opção de fazê-lo vem de cima para baixo, onde o desprezo que emana do diretor para seus personagens toma conta da tela de maneira indelével.

Então, Lars (o protagonista) será sempre cercado pela patologia: principalmente da parte da sua mãe, mas também na sua relação amorosa com uma vizinha (a cena de sexo no sofá, filmada com grande angular, é especialmente deplorável) e mesmo na sua relação com o trabalho (claro que ele é uma pessoa com problemas tais de relação com o mundo, que é representado como um nerd completo na loja de conveniência onde trabalha). Não sobra dúvida, para quem queira ver, que daí para a frente o filme não tem como não avançar (ou ir ladeira abaixo, dependendo do ângulo que se olha) rumo ao abjeto em cada um de seus movimentos dramáticos - mas a entrega completa a este caminho é tal que chega a ser surpreendente.

O filme vai se encaminhando (com direito a deploráveis câmeras-grudadas-no-corpo do protagonista, patologizando ainda mais sua visão de mundo) para um desfecho que se pretende "revolucionador" dos círculos de relações humanas mesquinhas que ele mesmo apresentou como "a realidade", apenas para forçar a imposição da insanidade, da negação do mundo real (como visto no jogo de golfe, mais até que no plano final - supostamente "surreal", mas só brega mesmo) como possibilidade de única de transcendência dos seus "excluídos" - nem que ao custo da morte da mãe afogada em seu próprio vômito e abandonada no chão de casa.

O fato é que, se achávamos que já tínhamos visto de tudo no que se refere a abjeção cinematográfica no cinema dinamarquês, Wullenweber nos mostra que sempre dá para descer mais um pouquinho.

Eduardo Valente