A DONA DA HISTÓRIA
Daniel Filho, Brasil, 2004

Embora consiga costurar alguma beleza em seus primeiros 30 minutos, nas idas e vindas do roteiro entre o passado e o futuro dos personagens, A Dona da História logo se transforma em uma ode a manutenção da vida “tal como ele é”. Em um jogo de metalinguagem um tanto preguiçoso, onde a “divagação” das possibilidades de vida ganha ares de “exemplificação” das vidas possíveis, tudo se encaminha para um final reducionista e desanimado onde os personagens mais se rendem a suas histórias do que as celebram. Se Rodrigo Santoro consegue se destacar como o bom ator que é, e Marieta Severo consegue imprimir graça a alguns dos poucos diálogos inspirados do filme, esses talentos somados não conseguem fazer A Dona História escapar do peso moralista que se esconde em suas entrelinhas.

O que impressiona mais não é estritamente o "teor" do filme de forma isolada, mas justamente como seu encadeamento é todo arquitetado de forma a se chegar a um discurso onde o roteiro deixa de lado a possibilidade de se encontrar graça na narração da vida cotidiana para se entregar a um jogo de malabarismos dos mais relaxados. A covardia das "sacadas espertas" que servem de muleta para o roteiro a partir do ponto em que as duas personagens se encontram (deixando um gosto aguado de Lisbela no ar...), é da mesma família da covardia final que margeia seus personagens: fazer as coisas do jeito que dá certo, do jeito que elas são mesmo, porque é uma tolice achar que elas poderiam ser outra ou outras coisas (senão na imaginação)... Olhar para as pequenas narrativas não por sua beleza emergencial, mas pela impossibilidade da utopia sonhada. “Fui eu que embolei o enredo...” diz a Carolina cinqüentona, se rendendo à calma pachorrenta do marido. Não mais do que isso.

Fagundes convence com sua apatia frugal, mas acaba por construir um personagem mais arrogante do que compreensivo – ou que faz da compreensão intangível a sua arrogância. E Débora Falabella peca por não conseguir se desfazer bem da água bebida em seu brilhante trabalho em Lisbela e o Prisioneiro, repetindo tiques e chaves de interpretação um tanto viciadas.   Resta-nos a boa cena (a melhor do filme) em que o Luis Cláudio de Rodrigo Santoro desafia a lógica das multi-narrativas, indignado com a busca de uma alegria que desconsiderasse o peso urgente do sentimento presente: “Quem é esse tempo capaz de fazer outro de mim?” 

Somado o caldo, A Dona da História se resume como um filme de contra-afirmação da vida e da possibilidade de sua reinvenção, onde os gestos de carinho entre os dois personagens sempre rimam com alguma intenção de se rebaixar, de fazer concessões um ao outro. Da mulher que desiste de sua crise e quase pede desculpas por seu desassossego, ao homem que, em seu único momento de cuidado/carinho em todo o filme, desiste de seu sonho de conhecer Cuba (o clichê das utopias...) para acatar o desejo de sua mulher de conhecer a Europa (o clichê da sofisticação bem comportada...).

Um filme que seduz de maneira habilidosa o espectador para lhe armar uma armadilha: onde o desfecho quer dar a resposta ideal para todos os problemas visitados pela narrativa. Um filme cujo movimento estético aponta para um ideal do con-formismo (ou seja, da aproximação da forma de narrar a vida de um modelo de normatização festiva dela) em torno de um quebra-cabeças que faz, de si mesmo, um exercício de banalidades (ou da poética metalinguística de um "pití").

E aí o filme perde o que poderia ser belo na crônica de costumes para se transformar em uma ode aos costumes crônicos... (traço, aliás, não incomum em boa parte dos núcleos de classe-média das telenovelas ou mesmo do discurso da “pessoa comum” atribuída à maioria dos personagens de reality shows ou dos programas da linhagem de Denise Fraga no Fantástico). Algo que talvez hoje, no Brasil, somente A Grande Família (com todas as suas limitações do gênero comédia suburbana) venha conseguindo fazer com alguma sensibilidade.  

Felipe Bragança