UM DIA SEM MEXICANOS
Sergio Arau, Un dia sin mexicanos, México/EUA/Espanha, 2004

O que aconteceria se subitamente um terço da população economicamente ativa do estado da Califórnia (uma das principais economias dos EUA) desaparecesse? O detalhe é que essa misteriosa desaparição não seria aleatória: os eleitos a sumirem do mapa não seriam qualquer transeunte passando pela rua e sim a totalidade dos componentes de um especifico grupo étnico, no caso, os latino-americanos. Justamente os que lavam os pratos, os que limpam as privadas, os que varrem as ruas. A pergunta, então, seria porque o filme não se chama "Um dia sem latinos"? A questão logo respondida, nos indica que para os americanos todos os que chegaram em seu país pelo outro lado da fronteira são mexicanos. Um continente inteiro é resumido a um país e a um idioma - onde nós, brasileiros, ficaríamos nessa delimitação do mundo é o que instiga. É sabido o expressivo número de brasileiros que pisam em solo americano de forma clandestina diariamente e também a grande quantidade de brasileiros que habitam a Califórnia. Mesmo assim nós não somos ao menos citados - será porque falamos português? Excluindo essa simplificação efetivada pelos americanos e adotada pelo filme (todos os personagens latinos são mexicanos), há de sobra superficialidades ainda mais graves.

Ressalta-se a importância dos cidadãos de origem latina dentro não só da economia americana, mas também da cultura (vários artistas latinos são mostrados), porém a forma como eles são pintados é no mínimo complicada. Tomemos como exemplo alguns dos primeiros que aparecem na obra: a dupla de pintores e a empregada doméstica. Eles são a própria encarnação da passividade. Pensando unicamente na sobrevivência do dia a dia, esses trabalhadores são desprovidos de consciência de grupo e de qualquer atitude capaz de alterar a ordem estabelecida. Esse retrato poderia ser encarado como uma crítica a postura dos latinos que vão tentar a sorte na "América" e não uma conclusão definitiva e redutora de seus padrões comportamentais. Mas não há nenhum personagem que faça oposição a essa conduta e não há no decorrer do filme nenhuma transformação pessoal acionada por esses trabalhadores subalternos - após aparecerem do "seqüestro" todos retornam obedientes aos seus antigos postos.

A única a realmente se transformar com a experiência e traçar indícios que suas ações daqui para frente serão diferentes é a jornalista. Ela, que antes negava sua origem e se envergonhava dos pais, agora esbraveja com orgulho sua latinidade mesmo quando lhe é revelado que seus verdadeiros pais são armênios e que ela de fato nasceu nesse país. A clara mensagem repetida é que não importa aonde a gente nasce e sim aonde a gente cresce e se torna cidadão. Traduzindo: não importa que os mexicanos tenham nascido no México e sim que agora eles moram nos EUA e são importantes para nos servir. Afinal, quem seriam as babás de nossas filhas e quem aceitaria cortar a minha grama ganhando uma ninharia? Um dia sem mexicanos não ousa nem em delírio criticar o mecanismo que gerou a situação abordada. O que importa é que a realidade é assim: os americanos são ricos, os mexicanos são pobres e ambos precisam um do outro para viver. Embora alegando que essa relação não é recíproca porque os americanos precisam muito mais dos mexicanos que vice-versa, a utilização da energia dos latino-americanos sempre será a mesma. A sociedade americana é estanque e nunca deixará esses trabalhadores subirem de posto.

Diversas vezes aparecem inscritas na tela frases didáticas que nos informam em cima de dadas situações encenadas pelos atores algo do comportamento xenófobo americano e da história da relação entre os dois países. Por exemplo, somos informados da quantidade de estados que os EUA roubaram do México, do número de trabalhadores mexicanos envolvidos na agricultura e que grande parte das professoras de jardim da infância são mexicanas. Esse recurso deixa evidente que o desejo do realizador não é apenas entreter com um pequeno espaço para a reflexão e sim ensinar e educar específicos destinatários. Os dados estatísticos selecionados pelo diretor deixaram de fora muitos outros. Como a porcentagem de latinos envolvidos na criminalidade e em condições de miséria. Claro que informações como essas pediam a sua omissão, afinal, para abordar esse outro lado seria preciso ir mais fundo na exposição da engrenagem dominante ressaltando a sua origem. E isso para os realizadores de Um dia sem mexicanos é o que menos interessa.

Estevão Garcia