COMO UMA IMAGEM
Agnès Jaoui, Comme une image, França, 2004

Já que o título de seu filme fala em “imagem”, vale discorrer um pouco sobre a imagem que Agnès Jaoui vem aos poucos construíndo para si enquanto cineasta. Certamente sua proposta não visa um cinema de invenção, da renovação de linguagem: Jaoui apropria-se de sua extensa bagagem como roteirista para, pelo que pudemos ver em seus dois exercícios na direção, criar pulsantes crônicas de um universo particular da França pequeno-burguesa.

Se em sua estréia, com O Gosto dos Outros, as personagens transitavam em um cenário provinciano, estamos em Como uma Imagem no mundo de intelectuais e artistas parisienses. Tal fato só faz concretizar ainda mais a proximidade, já evidente no primeiro filme, com o cinema de Woody Allen, em especial em sua fase dos anos 80, que tem como exemplo máximo a perfeição de Hannah e suas Irmãs. Comparação, por sinal, nada desabonadora para com Agnès Jaoui, pois o paralelo com a obra recente de Allen só destaca o trabalho da suposta “seguidora” como tendo conseguido superar o do “mestre”, ao menos no panorama de produção atual.

Como em Hannah e suas Irmãs, temos aqui uma personagem central, mas não protagonista absoluta (Lolita), em torno da qual gravitam as demais - vindas de seu ambiente familiar e de relações próximas. Curioso, e certamente uma criação não gratuita, é o nome da personagem, em todas suas características oposta à ninfeta de Nabokov. Adolescente gordinha e insegura, figura nada sedutora, e que em alguns momentos parece beirar a “chatice” absoluta. Lolita, muito bem interpretada por Marilou Berri, apesar da insegurança que contrasta com o excesso de confiança (próximo à soberba) de seu pai, um escritor de prestígio (Jean-Pierre Bacri), parece aos poucos estar se encaminhando para tornar-se uma nova versão dele, com sua arrogância e egoísmo. O filme centra seu desenvolvimento na forma através da qual, guiada até certo ponto por sua professora de canto (Jaoui), Lolita irá aprender a trilhar seu próprio caminho, construír sua própria imagem.

Como em O Gosto dos Outros e outros roteiros do casal Jaoui-Bacri (Amores Parisienses, de Alain Resnais, por exemplo) o desenho de personagens e suas relações se faz de forma minuciosa - todos, em maior ou menor intensidade, dotados de seu grau de mesquinhez, o que os torna ainda mais reais e palpáveis. Dentre eles, o escritor de Jean-Pierre Bacri é sem dúvida o mais marcante, com seu ego do tamanho de um bonde, colecionando para si, ao longo do filme, uma série de tiradas inesquecíveis. Mas não há descuido quanto ao retrato dos demais num roteiro que, apesar de menos virtuoso que o de O Gosto dos Outros, é certamante bem mais coeso.

Esta maior coesão do texto se reflete também numa clara evolução de Jaoui enquanto diretora. Se no filme anterior diversos momentos evidenciavam o academicismo de sua mise en scène, em Como uma Imagem esta se opera de forma bem mais fluida. Sim, como já foi dito, Jaoui trabalha dentro dos códigos do cinema narrativo clássico, mas este segundo filme mostra um perfeito domínio e segurança no escopo de sua proposta, o que consegue fazer com que Como uma Imagem se posicione bem acima daquilo que poderia ser classificado como um mero “filme de roteiro”. E sério indicativo de que Jaoui é um talento que ainda terá muito a oferecer pela frente.

Gilberto Silva Jr.