De saída, surge na tela
o crédito: "O primeiro filme de Liu Fendou".
Uau. Não se pode negar que a atenção
está conquistada por este expediente, que lembra
o crédito no início de Kill Bill vol.
1 ("o quarto filme de Quetin Tarantino")
- sendo que Quentin Tarantino era, bem, Quentin Tarantino;
enquanto Liu Fendou (pelo menos fora de Taiwan), não
chega a ser ninguém. Ou melhor, tudo bem, é
o roteirista do interessante Banhos, mas ainda
assim não se sabia que estávamos esperando
tanto sua estréia como diretor como o crédito
faz querer crer.
Aumentada a expectativa, o filme começa com um
outro crédito que explica o que é um chapéu
verde (seria usado pelos homens traídos por suas
mulheres - o famoso "chapéu de touro"
brasileiro), seguido de uma sequência documental
de uma parada de 11 milhões de chineses na década
de 60 em frente ao "Chairman Mao". Mais uma
vez, uau. Nossa atenção realmente é
sua, Liu Fendou. Em seguida, um homem fala diretamente
para a câmer,a com o oceano por detrás
dele, mencionando um "começo de filme",
enquanto faz brincadeiras com os clichês de gênero
cinematográficos, terminando com uma piada com
o gênero do "filme de arte". Logo a
metalinguagem é quebrada de forma inteligente,
inserindo a cena na narrativa do filme, mas o que fica
de lição desta primeira cena é
o ceticismo com que Fendou parece ver a questão
do gênero cinematográfico - e pode-se dizer
que o filme que ele realiza daí por diante incorpora
muito disso em sua narrativa.
Começamos com o que parece ser um filme de "juventude
revoltada", cômico e referencial. Logo, este
se mostra como o início de uma breve trama de
assalto a banco, cheia de estranhezas (a melhor delas,
o fato de que não vemos um plano sequer do assalto,
pois ficamos com uma câmera mostrando uma pequena
gaiola do banco de trás do carro dos assaltantes,
onde estão colocados um pequeno macaco e um filhote
de cachorro), que logo evolui para um "filme de
refém", com uma situação numa
birosca local que termina com um cerco policial. Até
aí, Fendou vai acumulando referências (onde
Tarantino surge como fonte importante, mas também
Takeshi Kitano, entre outros), e montando uma narrativa
bastante fluida e divertida, ainda que um tanto auto-consciente
de sua esperteza. Mas é de repente, e no clímax
desta narrativa, que o diretor realmente nos passa a
perna.
Na medida em que o sequestro parece dirigir-se para
final dramático, é introduzido (de forma
muito bonita, aliás, ao entrar em foco bem lentamente,
segundo a visão do sequestrador) o personagem
de um policial. Pois bem, quando o sequestrador termina
por se matar, um fade out nos parece levar para
um outro filme: voltamos do fade com uma estranhíssima
sequência de um exame de próstata efetuado
neste policial quarentão, e a partir daí
o filme se transfere completamente para a vida pessoal
deste personagem, abandonando completamente os personagens
de sua primeira parte (bem verdade que, dois três
ladrões, dois já tinham morrido). Passamos
então para um filme altamente intimista sobre
a crise de relacionamento do policial com sua esposa
(causada, entre outras coisas, por problemas sexuais
que este vive).
Ainda que Fendou dê a senha para esta passagem
(a frase que o sequestrador pergunta ao policial antes
de se matar: "o que é o amor?"), é
impossível que alguém pudesse antever
tal mudança de registro (ainda que a comédia
estranha nunca deixe de estar presente), mas o fato
é que um mesmo tema une estas duas partes - e
sim, ele se refere ao chapéu verde do título.
Confrontados os dois personagens (o sequestrador da
primeira parte, e o policial) com o iminente fim de
uma relação amorosa onde ficam sabendo
que suas mulheres estão com outros homens, a
pergunta que parece se impôr é: até
onde se está disposto a ir por esta questão
de honra ou de amor (próprio ou pelo outro, nem
importa tanto). Nesta segunda parte, Fendou trabalhará
com planos um tanto longos (alguns deles alongados por
fades que voltam ao mesmo enquadramento), montando
alguns momentos realmente impressionantes de delicadeza
(a brincadeira do pai com o filho, com uma utilização
muito bonita do espaço fora da tela pela movimentação
do menino) e de uma abertura um tanto profunda para
os temas e encenações do sexo (talvez
a mais bonita delas exatamente uma que também
se dá fora de quadro, apenas com os pés
dos personagens sendo vistos).
Mais uma vez, mesmo nesta segunda parte Fendou parece,
de vez em quando, excessivamente auto-consciente (algumas
destas voltas em fade soam especialmente over),
por demais tentando nos surpreender ou causar charme
pelo simples fato de fazê-lo. Mas, o que não
de pode negar é o genuíno encantamento
que o filme consegue atingir em vários de seus
momentos. Não dá para saber se já
é caso de comemorar o autor como ele mesmo faz
no início dos créditos, mas sem dúvida
não se trata de um realizador de cinema a passar
desapercebido.
Eduardo Valente
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