CHAPÉU VERDE
Liu Fendou, Lu mao zi, Taiwan, 2004

De saída, surge na tela o crédito: "O primeiro filme de Liu Fendou". Uau. Não se pode negar que a atenção está conquistada por este expediente, que lembra o crédito no início de Kill Bill vol. 1 ("o quarto filme de Quetin Tarantino") - sendo que Quentin Tarantino era, bem, Quentin Tarantino; enquanto Liu Fendou (pelo menos fora de Taiwan), não chega a ser ninguém. Ou melhor, tudo bem, é o roteirista do interessante Banhos, mas ainda assim não se sabia que estávamos esperando tanto sua estréia como diretor como o crédito faz querer crer.

Aumentada a expectativa, o filme começa com um outro crédito que explica o que é um chapéu verde (seria usado pelos homens traídos por suas mulheres - o famoso "chapéu de touro" brasileiro), seguido de uma sequência documental de uma parada de 11 milhões de chineses na década de 60 em frente ao "Chairman Mao". Mais uma vez, uau. Nossa atenção realmente é sua, Liu Fendou. Em seguida, um homem fala diretamente para a câmer,a com o oceano por detrás dele, mencionando um "começo de filme", enquanto faz brincadeiras com os clichês de gênero cinematográficos, terminando com uma piada com o gênero do "filme de arte". Logo a metalinguagem é quebrada de forma inteligente, inserindo a cena na narrativa do filme, mas o que fica de lição desta primeira cena é o ceticismo com que Fendou parece ver a questão do gênero cinematográfico - e pode-se dizer que o filme que ele realiza daí por diante incorpora muito disso em sua narrativa.

Começamos com o que parece ser um filme de "juventude revoltada", cômico e referencial. Logo, este se mostra como o início de uma breve trama de assalto a banco, cheia de estranhezas (a melhor delas, o fato de que não vemos um plano sequer do assalto, pois ficamos com uma câmera mostrando uma pequena gaiola do banco de trás do carro dos assaltantes, onde estão colocados um pequeno macaco e um filhote de cachorro), que logo evolui para um "filme de refém", com uma situação numa birosca local que termina com um cerco policial. Até aí, Fendou vai acumulando referências (onde Tarantino surge como fonte importante, mas também Takeshi Kitano, entre outros), e montando uma narrativa bastante fluida e divertida, ainda que um tanto auto-consciente de sua esperteza. Mas é de repente, e no clímax desta narrativa, que o diretor realmente nos passa a perna.

Na medida em que o sequestro parece dirigir-se para final dramático, é introduzido (de forma muito bonita, aliás, ao entrar em foco bem lentamente, segundo a visão do sequestrador) o personagem de um policial. Pois bem, quando o sequestrador termina por se matar, um fade out nos parece levar para um outro filme: voltamos do fade com uma estranhíssima sequência de um exame de próstata efetuado neste policial quarentão, e a partir daí o filme se transfere completamente para a vida pessoal deste personagem, abandonando completamente os personagens de sua primeira parte (bem verdade que, dois três ladrões, dois já tinham morrido). Passamos então para um filme altamente intimista sobre a crise de relacionamento do policial com sua esposa (causada, entre outras coisas, por problemas sexuais que este vive).

Ainda que Fendou dê a senha para esta passagem (a frase que o sequestrador pergunta ao policial antes de se matar: "o que é o amor?"), é impossível que alguém pudesse antever tal mudança de registro (ainda que a comédia estranha nunca deixe de estar presente), mas o fato é que um mesmo tema une estas duas partes - e sim, ele se refere ao chapéu verde do título. Confrontados os dois personagens (o sequestrador da primeira parte, e o policial) com o iminente fim de uma relação amorosa onde ficam sabendo que suas mulheres estão com outros homens, a pergunta que parece se impôr é: até onde se está disposto a ir por esta questão de honra ou de amor (próprio ou pelo outro, nem importa tanto). Nesta segunda parte, Fendou trabalhará com planos um tanto longos (alguns deles alongados por fades que voltam ao mesmo enquadramento), montando alguns momentos realmente impressionantes de delicadeza (a brincadeira do pai com o filho, com uma utilização muito bonita do espaço fora da tela pela movimentação do menino) e de uma abertura um tanto profunda para os temas e encenações do sexo (talvez a mais bonita delas exatamente uma que também se dá fora de quadro, apenas com os pés dos personagens sendo vistos).

Mais uma vez, mesmo nesta segunda parte Fendou parece, de vez em quando, excessivamente auto-consciente (algumas destas voltas em fade soam especialmente over), por demais tentando nos surpreender ou causar charme pelo simples fato de fazê-lo. Mas, o que não de pode negar é o genuíno encantamento que o filme consegue atingir em vários de seus momentos. Não dá para saber se já é caso de comemorar o autor como ele mesmo faz no início dos créditos, mas sem dúvida não se trata de um realizador de cinema a passar desapercebido.

Eduardo Valente