CAÇADOS POR SONHOS
Buddhadeb Dasgupta, Swapner din, Índia, 2004

A tradução apressada do título do novo filme de Buddhadeb Dasgupta ("perseguidos" seria bem melhor) dá a chave para o funcionamento da narrativa: três pessoas (um projecionista de filmes educacionais que se movimenta por diversas vilas, um motorista fazendo um biscate e uma imigrante grávida de Bangladesh que acaba de perder seu marido) se encontram de forma fortuita e acabam viajando sozinhos até a fronteira da Índia. O primeiro, Paresh, sonha com uma menina que chora num dos filmes que ele exibe de cidade em cidade; o segundo sonha em ganhar dinheiro; enquanto a mulher deseja voltar ao país natal, uma vez perdidas as esperanças (e o homem amado) em território indiano. Caçados por Sonhos, no entanto, parece não se resolver muito em tecer a relação entre a realidade e o imaginário de seus personagens. Ao contrário, todo o interesse do filme é em criar situações curiosas, entre o humor e o absurdo, para assim desenvolver o que realmente parece importar a Dasgupta: uma mistura estranha do lirismo peculiar de seus filmes com uma certa acessibilidade comercial que proporcionaria a presença de Prosenjit, protagonista do filme e astro de Bollywood.

De início, Paresh-Prosenjit aparece como o herói que o público indiano espera: trabalhador, ele acorda cedo para trabalhar, penteia os cabelos, cantarola e antes de sair de casa toca rapidamente um “tabla” colocado ao lado da janela. Só que esse herói popular será também um homem fendido, logo quando ele desce de casa e encontra seu pai, que pede dinheiro a ele e vai embora. Nasce a partir daí um herói melancólico, o homem de presente devastado que precisa de uma imagem numa tela para construir seu futuro. A partir daí, o filme parece mais se interessar nas peripécias que unem os três personagens principais enquanto os desfazem pouco a pouco dos objetos de trabalho: primeiro o projetor de 16mm, roubado no percurso de uma cidade a outra, e por fim o jipe, roubado por dois homens (ladrões, terroristas?) que atacam um carro de polícia logo na primeira cena do filme para roubar-lhes as armas.

O que torna ao mesmo tempo Caçados por Sonhos interessantíssimo e irregular é essa dúvida entre ser um filme-coral e um filme de poucos personagens. Por mais curiosas e engraçadas que sejam, as cenas de anciãos fornecendo informações erradas sobre o paradeiro do ladrão do projetor só para receberem carona para casa, por exemplo, têm bastante clima mas não iluminam em muita coisa o percurso psicológico dos personagens.

Mas o grande motivo para ver Caçados por Sonhos não está na história, na atuação dos atores ou na concatenação narrativa. Está, sobretudo, no soberbo senso de enquadramento e na cuidadosa construção dos planos que faz de Dasgupta um dentre os não muitos rigorosos encenadores do mundo hoje. Que esse rigor todo ainda não tenha se constituído numa obra coesa e coerente, ou com preocupações recorrentes, podemos atribuir tanto ao cinema indiano de hoje quanto a um desejo próprio de Dasgupta de variar estilos e temáticas. Mas, pouco importa: mesmo que não seja um dos diretores de ponta no mundo, é provavelmente o realizador indiano vivo mais consistente. Apenas a visão de O Abrigo das Asas, sua obra-prima, de 1993, já o provaria. No momento, basta o uso primoroso do cinemascope deste Caçados por Sonhos e do anterior, e também bastante bom, A História de uma Rebelde para mostrar a necessidade de Dasgupta num mundo que cada vez mais massacra o enquadramento em tela panorâmica (cf. A Dona da História, entre zilhões de exemplos possíveis).

Ruy Gardnier