A tradução apressada do título
do novo filme de Buddhadeb Dasgupta ("perseguidos"
seria bem melhor) dá a chave para o funcionamento da
narrativa: três pessoas (um projecionista de filmes
educacionais que se movimenta por diversas vilas, um
motorista fazendo um biscate e uma imigrante grávida
de Bangladesh que acaba de perder seu marido) se encontram
de forma fortuita e acabam viajando sozinhos até a fronteira
da Índia. O primeiro, Paresh, sonha com uma menina que
chora num dos filmes que ele exibe de cidade em cidade;
o segundo sonha em ganhar dinheiro; enquanto a mulher
deseja voltar ao país natal, uma vez perdidas as esperanças
(e o homem amado) em território indiano. Caçados
por Sonhos, no entanto, parece não se resolver
muito em tecer a relação entre a realidade e o imaginário
de seus personagens. Ao contrário, todo o interesse
do filme é em criar situações curiosas, entre o humor
e o absurdo, para assim desenvolver o que realmente
parece importar a Dasgupta: uma mistura estranha do
lirismo peculiar de seus filmes com uma certa acessibilidade
comercial que proporcionaria a presença de Prosenjit,
protagonista do filme e astro de Bollywood.
De início, Paresh-Prosenjit aparece como o herói que
o público indiano espera: trabalhador, ele acorda cedo
para trabalhar, penteia os cabelos, cantarola e antes
de sair de casa toca rapidamente um “tabla” colocado
ao lado da janela. Só que esse herói popular será também
um homem fendido, logo quando ele desce de casa e encontra
seu pai, que pede dinheiro a ele e vai embora. Nasce
a partir daí um herói melancólico, o homem de presente
devastado que precisa de uma imagem numa tela para construir
seu futuro. A partir daí, o filme parece mais se interessar nas
peripécias que unem os três personagens principais enquanto
os desfazem pouco a pouco dos objetos de trabalho: primeiro
o projetor de 16mm, roubado no percurso de uma cidade
a outra, e por fim o jipe, roubado por dois homens (ladrões,
terroristas?) que atacam um carro de polícia logo na
primeira cena do filme para roubar-lhes as armas.
O que torna ao mesmo tempo Caçados por Sonhos interessantíssimo
e irregular é essa dúvida entre ser um filme-coral e
um filme de poucos personagens. Por mais curiosas e
engraçadas que sejam, as cenas de anciãos fornecendo
informações erradas sobre o paradeiro do ladrão do projetor
só para receberem carona para casa, por exemplo, têm
bastante clima mas não iluminam em muita coisa o percurso
psicológico dos personagens.
Mas o grande motivo para ver Caçados por Sonhos
não está na história, na atuação dos atores ou
na concatenação narrativa. Está, sobretudo, no soberbo
senso de enquadramento e na cuidadosa construção dos
planos que faz de Dasgupta um dentre os não muitos rigorosos
encenadores do mundo hoje. Que esse rigor todo ainda
não tenha se constituído numa obra coesa e coerente,
ou com preocupações recorrentes, podemos atribuir tanto
ao cinema indiano de hoje quanto a um desejo próprio
de Dasgupta de variar estilos e temáticas. Mas, pouco
importa: mesmo que não seja um dos diretores de ponta
no mundo, é provavelmente o realizador indiano vivo
mais consistente. Apenas a visão de O Abrigo das
Asas, sua obra-prima, de 1993, já o provaria. No
momento, basta o uso primoroso do cinemascope deste
Caçados por Sonhos e do anterior, e também bastante
bom, A História de uma Rebelde para mostrar a
necessidade de Dasgupta num mundo que cada vez mais
massacra o enquadramento em tela panorâmica (cf. A
Dona da História, entre zilhões de exemplos possíveis).
Ruy Gardnier
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