A CORTE MARCIAL DE BILLY MITCHELL
Otto Preminger, The court-martial of Billy Mitchell, EUA, 1955

1921. O general Billy Mitchell deseja provar ao exército e à marinha que a força aérea, neste momento ainda subjugada pela demais, pode se tornar a arma dominante nas futuras guerras. Desobedece ordem, é rebaixado e afastado de seu esquadrão, vê o melhor amigo e antigos companheiros morrerem em desastres inúteis, suscitados por equipamentos arcaicos e sem manutenção, até que enfim resolve acusar, através da imprensa, o Estado Maior de negligência. Forçando a própria corte marcial, o coronel Mitchell pretende não apenas falar ao país sobre a importância da aeronáutica, como também, ao levar à crise as instituições democráticas americanas, provocar a auto-renovação necessária a qualquer sistema de poder e de regulação social.

Há um diálogo revelador das intenções de Otto Preminger em A Corte Marcial de Billy Mitchell – também conhecido pelo título Seu Último Comando, com o qual foi exibido na TV paga, em Cinemascope (ao contrário da cópia VHS disponível pela Republic que, não somente está em full screen – 1:1.33 – como também apresenta distorções, de um plano a outro, na paleta de cores da fotografia de Sam Leavitt) –, quando o superior de Mitchell responde ao empolgado e convicto coronel que, se mudanças no exército são bem vindas, mais interessante ainda é a existência em si da força armada. São, pois, dois movimentos, a um tempo conflitantes e conciliatórios, que se verificam no filme, o renovar e o conservar: a consciência de que o conjunto de códigos intrínseco à estrutura militar deve permanecer, pois dele depende a manutenção da ordem interna e a defesa do país, mas sob controle da sociedade para que não se transforme em instância repressora que ameace a democracia e a livre iniciativa, ou seja, o estilo de vida caro aos EUA.

Otto Preminger, no entanto, não restringe A Corte Marcial de Billy Mitchell à simples investigação a respeito dos desmandos da alta hierarquia militar em relação à aeronáutica nascente. Se o diretor expõe com virulência a obediência cega e burra exigida dos comandados, a falta de visão do Estado Maior quanto ao futuro da guerra, dos mecanismos e das tecnologias de combate, o sucateamento das forças armadas (resultado da politicagem travada nos bastidores de Washington), o sacrifício de vidas para manter as aparências, a omissão do exército e da marinha em informar o público sobre os perigos que corre, manipulando-o, é porque tenciona expandir a reflexão para o método – o conjunto efetivo de ações utilizadas – através do qual a sociedade civil, bem como os organismos institucionais que a representam (executivo, legislativo, judiciário e armas), tratam de expurgar os excessos cometidos por estes órgãos quando atuam na defesa da democracia e da liberdade individual.

Assim, Preminger usa o tribunal, em A Corte Marcial de Billy Mitchell, como palco privilegiado onde as forças sociais entram em conflito, onde os diversos discursos sobre a democracia, a liberdade, o indivíduo, a lei e a ordem – do congresso populista (o senador Frank Reid e o deputado Fiorello La Guardiã), da linha dura militar (general Guthrie), do exército mais progressista (general McCarthur), do "homem comum" transformado em mártir (coronel Mitchell, ou melhor, Gary Cooper) – chocam-se a fim de, sem o risco de caírem na violência e na anarquia, debaterem com segurança a auto-regulação da sociedade americana. Questões fundamentais, como os limites para o agir individual não se opondo ao bem comum, ou se a Lei deve ser seguida mesmo quando se mostra ultrapassada, são postas por Preminger neste microcosmo da América, o foro, onde todos têm direito a serem ouvidos, onde todos têm a obrigação de se pronunciar, onde se busca incessantemente o bom funcionamento do organismo social.

Neste diálogo interno do país, trata-se não de glorificar as instituições, mas sim de demonstrar respeito e apreço pelo americano médio, que constitui a base e a razão de ser dos ideais que, desde 1776, forjam os EUA, como na notável seqüência em que militares de altíssima patente, integrantes do júri, levantam-se em uníssono à saída de Margaret (Elizabeth Montgomery) – viúva do comandante Zach Lansdowne (Jack Lord), morto em trágico acidente aéreo – do tribunal. E, se o resultado do julgamento (perda da patente por cinco anos) é desfavorável ao coronel Mitchell, o corte, ao final do filme, que faz velhos aviões à hélice serem sucedidos por modernos jatos de combate, aponta para a capacidade do mártir, do herói, em transformar e em melhorar a sociedade na qual vive.


Paulo Ricardo de Almeida

(VHS Republic Pictures)