1921.
O general Billy Mitchell deseja provar ao exército
e à marinha que a força aérea,
neste momento ainda subjugada pela demais, pode se tornar
a arma dominante nas futuras guerras. Desobedece ordem,
é rebaixado e afastado de seu esquadrão,
vê o melhor amigo e antigos companheiros morrerem
em desastres inúteis, suscitados por equipamentos
arcaicos e sem manutenção, até
que enfim resolve acusar, através da imprensa,
o Estado Maior de negligência. Forçando
a própria corte marcial, o coronel Mitchell pretende
não apenas falar ao país sobre a importância
da aeronáutica, como também, ao levar
à crise as instituições democráticas
americanas, provocar a auto-renovação
necessária a qualquer sistema de poder e de regulação
social.
Há um diálogo revelador das intenções
de Otto Preminger em A Corte Marcial de Billy Mitchell
– também conhecido pelo título Seu
Último Comando, com o qual foi exibido na
TV paga, em Cinemascope (ao contrário da cópia
VHS disponível pela Republic que, não
somente está em full screen – 1:1.33 – como também
apresenta distorções, de um plano a outro,
na paleta de cores da fotografia de Sam Leavitt) –,
quando o superior de Mitchell responde ao empolgado
e convicto coronel que, se mudanças no exército
são bem vindas, mais interessante ainda é
a existência em si da força armada. São,
pois, dois movimentos, a um tempo conflitantes e conciliatórios,
que se verificam no filme, o renovar e o conservar:
a consciência de que o conjunto de códigos
intrínseco à estrutura militar deve permanecer,
pois dele depende a manutenção da ordem
interna e a defesa do país, mas sob controle
da sociedade para que não se transforme em instância
repressora que ameace a democracia e a livre iniciativa,
ou seja, o estilo de vida caro aos EUA.
Otto Preminger, no entanto, não restringe A
Corte Marcial de Billy Mitchell à simples
investigação a respeito dos desmandos
da alta hierarquia militar em relação
à aeronáutica nascente. Se o diretor expõe
com virulência a obediência cega e burra
exigida dos comandados, a falta de visão do Estado
Maior quanto ao futuro da guerra, dos mecanismos e das
tecnologias de combate, o sucateamento das forças
armadas (resultado da politicagem travada nos bastidores
de Washington), o sacrifício de vidas para manter
as aparências, a omissão do exército
e da marinha em informar o público sobre os perigos
que corre, manipulando-o, é porque tenciona expandir
a reflexão para o método – o conjunto
efetivo de ações utilizadas – através
do qual a sociedade civil, bem como os organismos institucionais
que a representam (executivo, legislativo, judiciário
e armas), tratam de expurgar os excessos cometidos por
estes órgãos quando atuam na defesa da
democracia e da liberdade individual.
Assim, Preminger usa o tribunal, em A Corte Marcial
de Billy Mitchell, como palco privilegiado onde
as forças sociais entram em conflito, onde os
diversos discursos sobre a democracia, a liberdade,
o indivíduo, a lei e a ordem – do congresso populista
(o senador Frank Reid e o deputado Fiorello La Guardiã),
da linha dura militar (general Guthrie), do exército
mais progressista (general McCarthur), do "homem
comum" transformado em mártir (coronel Mitchell,
ou melhor, Gary Cooper) – chocam-se a fim de, sem o
risco de caírem na violência e na anarquia,
debaterem com segurança a auto-regulação
da sociedade americana. Questões fundamentais,
como os limites para o agir individual não se
opondo ao bem comum, ou se a Lei deve ser seguida mesmo
quando se mostra ultrapassada, são postas por
Preminger neste microcosmo da América, o foro,
onde todos têm direito a serem ouvidos, onde todos
têm a obrigação de se pronunciar,
onde se busca incessantemente o bom funcionamento do
organismo social.
Neste diálogo interno do país, trata-se
não de glorificar as instituições,
mas sim de demonstrar respeito e apreço pelo
americano médio, que constitui a base e a razão
de ser dos ideais que, desde 1776, forjam os EUA, como
na notável seqüência em que militares
de altíssima patente, integrantes do júri,
levantam-se em uníssono à saída
de Margaret (Elizabeth Montgomery) – viúva do
comandante Zach Lansdowne (Jack Lord), morto em trágico
acidente aéreo – do tribunal. E, se o resultado
do julgamento (perda da patente por cinco anos) é
desfavorável ao coronel Mitchell, o corte, ao
final do filme, que faz velhos aviões à
hélice serem sucedidos por modernos jatos de
combate, aponta para a capacidade do mártir,
do herói, em transformar e em melhorar a sociedade
na qual vive.
Paulo Ricardo de Almeida
(VHS Republic Pictures)
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