BENS CONFISCADOS
Carlos Reichenbach, Brasil, 2004

Há algo de muito vivaz no cinema de Carlos Reichenbach e isso não se pode mesmo resumir numa breve crítica em ritmo de festival – em Bens Confiscados, isso não é diferente: a forma como personagens e cenas se entrelaçam instaurando a narrativa dá ao filme a cadência de algo que se apresenta como em um jogo de construção contínua, indo e voltando em seus movimentos, titubeando em certas partes, escorregando em outras, mas sempre carregando a beleza viva de um cinema de gesto maior, e de amor pelo universo arquitetado como poucos exemplares recentes do cinema brasileiro.

Visitando os clichês do melodrama clássico, Reichenbach fez um filme de eventos sutis e de rara densidade psicológica, sempre apaixonado pelos gestos e corpos de seus personagens através de um interesse imagético que ultrapassa a narrativa e se estabelece enquanto atmosfera, enquanto sentimento-de-cena. O cinema de Carlos Reichenbach sente, pulsa. E por isso mesmo, às vezes, rateia, titubeia, exagera, se assossega – como um conjunto vivo de citações cinematográficas, cenas e diálogos (um grande roteiro, por sinal), é obra de arte em estado presente de catalisação.  

As figuras seguras de Betty Faria e de um Eduardo Dusek que rouba todas as cenas em que aparece, somadas a experiência de Reichenbach em trabalhar com atores menos rodados, surgem em Bens Confiscados como a base ideal para um desfile amoroso de gruas e travellings sinuosos – numa aula impecável de como esses elementos podem ser utilizados de forma sutil (e musical, acima de tudo) para a construção de um filme de pequenos eventos.

Um filme onde a grande trama política dá lugar a um desfile de afetividades e vontades de seus personagens (a proposta de nunca nos mostrar o senador, que dá o ponta-a-pé inicial na narrativa, é tão elementar quanto genial), costuradas com uma leveza que nunca se confunde com frieza dramática.

Reichenbach descobre de forma erótica e delicada o corpo e as paisagens onde pisam seus personagens, em especial os femininos, fazendo com que a película ganhe a um só tempo lirismo e peso carnal na tela. Jogando entre a picardia e o drama como poucos hoje o fazem no mundo, Reichenbach ainda nos brinda com o pequeno prólogo inicial (um quase plano seqüência), onde fica patente a mão firme, inventiva e apaixonada do diretor.

Um primeiro olhar sobre um filme que merece ser revisto e que talvez solicite que seus pequenos senões sejam melhor destrinchados. Mas era impossível conter, por agora, esse grande elogio.

Felipe Bragança