Há algo de muito vivaz no cinema
de Carlos Reichenbach e isso não se pode mesmo resumir
numa breve crítica em ritmo de festival – em Bens
Confiscados, isso não é diferente: a forma como
personagens e cenas se entrelaçam instaurando a narrativa
dá ao filme a cadência de algo que se apresenta como
em um jogo de construção contínua, indo e voltando em
seus movimentos, titubeando em certas partes, escorregando
em outras, mas sempre carregando a beleza viva de um
cinema de gesto maior, e de amor pelo universo arquitetado
como poucos exemplares recentes do cinema brasileiro.
Visitando os clichês do melodrama clássico, Reichenbach
fez um filme de eventos sutis e de rara densidade psicológica,
sempre apaixonado pelos gestos e corpos de seus personagens
através de um interesse imagético que ultrapassa a narrativa
e se estabelece enquanto atmosfera, enquanto sentimento-de-cena.
O cinema de Carlos Reichenbach sente, pulsa. E por isso
mesmo, às vezes, rateia, titubeia, exagera, se assossega
– como um conjunto vivo de citações cinematográficas,
cenas e diálogos (um grande roteiro, por sinal), é obra
de arte em estado presente de catalisação.
As figuras seguras de Betty Faria e de um Eduardo Dusek
que rouba todas as cenas em que aparece, somadas a experiência
de Reichenbach em trabalhar com atores menos rodados,
surgem em Bens Confiscados como a base ideal
para um desfile amoroso de gruas e travellings sinuosos
– numa aula impecável de como esses elementos podem
ser utilizados de forma sutil (e musical, acima de tudo)
para a construção de um filme de pequenos eventos.
Um filme onde a grande trama política dá lugar a um
desfile de afetividades e vontades de seus personagens
(a proposta de nunca nos mostrar o senador, que dá o
ponta-a-pé inicial na narrativa, é tão elementar quanto
genial), costuradas com uma leveza que nunca se confunde
com frieza dramática.
Reichenbach descobre de forma erótica e delicada o corpo
e as paisagens onde pisam seus personagens, em especial
os femininos, fazendo com que a película ganhe a um
só tempo lirismo e peso carnal na tela. Jogando entre
a picardia e o drama como poucos hoje o fazem no mundo,
Reichenbach ainda nos brinda com o pequeno prólogo inicial
(um quase plano seqüência), onde fica patente a mão
firme, inventiva e apaixonada do diretor.
Um primeiro olhar sobre um filme que merece ser revisto
e que talvez solicite que seus pequenos senões sejam
melhor destrinchados. Mas era impossível conter, por
agora, esse grande elogio.
Felipe Bragança
|