A ARENA DA MORTE
Amos Gitai, Zihrat Ha'Rezach, Israel, 1996

O próprio título anuncia o tom fúnebre, gerado pela agressão ampla à vida, e não somente à uma vida. Nas primeiras imagens, vemos um encadeamento de fragmentos que, embora busquem construir um esboço de painel para se chegar a uma síntese da questão enfocada (o assassinato do primeiro-ministro isaraelense Yitzhak Rabin), desorganizam-se na tarefa de dar sentido. Será essa desorganização como projeto estético, político e dramático que Amos Gitai transforma em protagonista de seu filme. Não se trata de um documentário “objetivo” sobre os efeitos do assassinato do primeiro ministro Rabin - há depoimentos, sim, há trechos poéticos, sim, mas eles não explicam nada. A questão principal é a própria impossibilidade de organizar uma narrativa capaz de entender a lógica do absurdo no processo de conflitos e negociações por posse de territórios.  

Arena da Morte é um ensaio de luto elaborado por uma subjetividade angustiada e asfixiante. Realizado durante a fase de sua carreira conhecida como “trilogia das cidades” (Devarim, Yom yom e Kadosh), talvez seja o mais pessoal dos filmes de Gitai - com sua presença diante da câmera, trechos nos quais fala de sua experiência na guerra e com o cinema, versos declamados por sua mãe. O autor coloca-se dentro da questão Israel, transforma o processo cinematográfico em tema e sintetiza seu conceito em uma cena: ele no quadro, um prédio cai ao fundo, ele sai do quadro. Gitai segue esse movimento de estar junto ao tema e sair dele para tentar entendê-lo de fora, como observador científico - sem no entanto conseguir o distanciamento necessário para se entender algo, justamente por estar dentro demais do vendaval.

Tomemos uma cena que, pela construção, traduz esse “dentro” e “fora”. Entrevista com Lea Rabin: vemos o diretor de costas e ela de frente. A câmera, aos poucos, aproxima-se. Lentamente, ele sai de quadro, deixando-a só. Saímos do geral para o íntimo (dela), da situação política para o testemunho pessoal da esposa (e não de esposa de político), ao mesmo tempo em que o diretor sai da cena e, de fora, passa a ser um observador. 

No entanto, como observador, ele intervém. Sua única possibilidade de falar de seu meio e de seu tempo é assumir-se como parte de seu meio e de seu tempo para narrar com um olhar afetado e limitado pelo entorno. Ele prioriza as dissonâncias, todo tipo de intervenção que, por opção, desorganiza o entendimento (sobreposição de imagens inclusive). Sem racionalizar a soma dos planos, ou racionalizando apenas para delas não extrair síntese de realidade alguma, só se torna possível “sentir” as imagens. E assim podemos participar do luto dolorido do cineasta.

Na primeira pergunta, para a viúva de Rabin, Gitai escancara a postura: “A senhora está pessimista com o futuro do país?” Não importa a resposta porque a pergunta é mais reveladora. Ao formulá-la, o diretor não disfarça seu ceticismo, sua rudeza de visão: Gitai não filma com manteiga. Propõe-se na maioria dos filmes a atingir uma certa exasperação – às vezes mais, às vezes menos. Em alguns momentos, pesa a mão além da conta, embora a mão pesada seja um princípio de seu cinema de espírito carregado. Em Arena da Morte, o peso está no ar, ou na construção da atmosfera. O choque seco de desencanto brutal se dá na valorização de imagens de um show de rock no qual o líder da banda grita slogans políticos centrados na idéia de geração perdida e povo culpado. A tela banha-se de luz vermelha nestes momentos e transforma os gritos de ordem em mantra político com feridas expostas. Completam a visão sombria fragmentos de um mar revolto e do céu cinzento. A natureza carrancuda com o humano, o artista confuso diante de si no mundo.

Cléber Eduardo