A PEQUENA LILI
Claude Miller, La petite Lili, França, 2003

É fácil entender, ao assistir-se a este A Pequena Lili, o que Claude Miller tem a ganhar ao adaptar A Gaivota, de Tchekov. Difícil é entender o que Tchekov e sua obra têm a ganhar sendo adaptados por Miller. Na transposição de linguagens feita por Miller, tudo que torna o escritor russo fascinante, seja a sutileza do seu desenho de personagens e suas relações, seja a sensação constante de que o conjunto de personagens inserido no seu contexto histórico ganha muito mais relevância pelas delicadas relações estabelecidas dentro do grupo do que individualmente teriam, é anulado por uma estrutura dramática óbvia que, em uma generalização necessária para ser bem direto ao ponto, torna teatro russo em cinema francês, no que de melhor o primeiro tenha e de pior o segundo.

Não é sem atrativos, é verdade, um filme que já começa com Ludivine Sagnier nua em cena. De fato, neste ponto o filme tem uma interessante semelhança com o trabalho de François Ozon, Swimming Pool, que também usa claramente a atriz e sua beleza como principal atrativo, seja publicitário seja como centro de gravidade dos outros personagens. Ambos vão lidar nos seus finais com as relações possíveis entre vida e arte, e em ambos os casos o filme de Ozon (que em si mesmo não é nada demais) sai ganhando. Nele, tanto o uso de Sagnier como emblema (aqui em Miller evidenciado pela troca do título da peça original), como a discussão entre realidade e ficção parecem melhor encaminhadas, até mesmo pela diferença entre as "pretensões artísticas" de Miller, que constantemente engessam o filme, para uma sensação muito mais "pulp" e irônica de si mesma no filme de Ozon.

Miller acaba fazendo uma versão-light de A Gaivota, onde personagens complexos são tornados bonecos de uma nota só (especialmente aqui visto no personagem de Julian, que torna a inadequação do jovem artista em puros trejeitos de menino mimado), e onde há uma sensação constante de desinteresse dos próprios atores (encarnado nos seus personagens) por abrir qualquer tipo de nova vereda em torno de uma obra já eternizada pelo teatro há tanto tempo. As novidades e atualizações, por assim dizer (troca de teatro por cinema, etc), ficam sempre no nível do epitelial, sem adicionar qualquer profundidade temática ou de personagens. E quando, no final, na cena do estúdio, o filme ameaça ganhar algum interesse na discussão do artista e seu uso/sublimação do real na arte, já é tarde demais para a maioria dos espectadores.

Eduardo Valente