| “Você não tem nada a perder”, 
                          diz o belo paquistanês residente na Escócia à bela loira 
                          caucasiana com quem vive um amor proibido. Como que 
                          ouvindo isso e tentando contrariar o rapaz, a narrativa 
                          emenda essa cena com a seqüência em que a menina começa 
                          a ter alguma coisa a perder: ela precisa de um “certificado 
                          de bons modos” para ser efetivada em seu trabalho. Ele, 
                          Casim, é muçulmano e sua família vive sob um código 
                          familiar estrito; ela, Roisin, é católica e leciona 
                          música numa escola idem. Com Apenas um Beijo, 
                          Ken Loach faz seu Romeu e Julieta interracial. 
                          O problema, em todo caso, jaz alhures: na forma esquemática 
                          e previsível com a qual toda força ficcional de seus 
                          filmes acaba sendo achatada para caber na agenda político-social 
                          que o diretor quer discutir.
 O filme começa até bem, com a leitura de uma redação 
                          de colégio que Tahara, irmã de Casim, lê em frente à 
                          turma. De origem paquistanesa, mas residente no ocidente 
                          e tendo cidadania inglesa, ela expressa em sua fala 
                          o conjunto de contradições e de identidades díspares 
                          que carrega. Depois, vemos como Casim e Roisin se conhecem, 
                          se apaixonam e começam um fervoroso e doce caso de amor. 
                          Ele, no entanto, está de casamento marcado com uma jovem 
                          paquistanesa que não sabe quem é. O choque de culturas 
                          se instala, as discussões começam, todos perdem as estribeiras, 
                          família, casal e amigos. Segundo as tradições, Casim 
                          jamais poderia se casar com uma goree, uma branca. 
                          Segundo as tradições, outras mas as mesmas, Roisin jamais 
                          poderia viver em pecado com um muçulmano. É nesse momento 
                          que Apenas um Beijo afunda para não mais voltar 
                          à tona: de um lado, a previsibilidade do encadeamento 
                          de situações instala o tédio; do outro, os ânimos se 
                          exaltam de forma frouxa e desajeitada.
 
 Na cena clímax do filme, a família de Casim monta todo 
                          um teatrinho para que o rapaz apareça novamente em casa 
                          e, diante dos olhos de uma Roisin que permanece invisível 
                          à cena familiar (ela está no carro da irmã mais velha 
                          de Casim), seja apresentado à sua futura esposa paquistanesa. 
                          Ken Loach, no entanto, faz com seus espectadores o mesmo 
                          tipo de chantagem emocional que ele esboça criticar. 
                          O manuseio das situações dramáticas oprime o espectador, 
                          e a opção pela forma da tragédia fácil (a perda da família, 
                          a perda do emprego) nos parece impedir a possibilidade 
                          de posicionamento, quando na verdade sempre há de haver 
                          um: Casim não vai furar os olhos e sair andando pelo 
                          mundo, mas escolher a opção de sua individualidade e 
                          aceitar os problemas que isso acarreta. Já nos, espectadores, 
                          somos retidos pela magânima mão do diretor, que jamais 
                          nos dá a chance para que nos instalemos com liberdade 
                          no filme que estamos vendo.
 
 
  Ruy Gardnier   |