No início, o nascimento do mundo,
versão Adão e Eva, é construído em animação. Há até
uma transa do casal. Temos assim, de cara, um convite
para aceitar as imagens em um registro não realista,
de um simbolismo irônico. Ironia bola baixa, porque
o corte efetuado após a expulsão do primeiro homem e
da primeira mulher do Paraíso constrói uma relação entre
punição, ambiente e tempo histórico das mais impotentes.
Como eles são punidos por Deus e na cena seguinte estão
em nossos dias, em uma metrópole (Cidade do México),
inseridos em uma tribo de hedonistas angustiados e socialmente
identificados pelos figurinos (pós-qualquer coisa),
logo se conclui que um segmento jovem da contemporaneidade,
nas grandes cidades, representa o símbolo atual do inferno.
É desse jeito que, estando chafurdados no prazer sem
afeto e no tédio minimalista do cotidiano, eles pagarão
pela desobediência original.
A questão principal é o sexo. Os dois tiram muito a
roupa, transam com quem trombam pelo caminho - mas é
um sexo desesperado, banalizado por sua prática quase
sem desejo, sem vínculo algum entre as partes, que deserotiza
as relações, pois, em vez de romper com as convenções
e promover a morte do “eu” no encontro carnal (segundo
a visão de Bataille para o erotismo), esse sexo torna-se
convencional na transgressão. Ele e ela experimentam,
na cama ou fora dela, de tudo um pouco e um pouco mais,
mas sem com isso aquecer a tela, sem produzir uma construção
de formas, de formas em movimento, de um cinema da pele.
Os corpos parecem descarnados, ocos, reduzidos a corpos
sem sangue, com gestos sorumbáticos. Sim, é proposta
estética. E?
É gritante a recusa a convenções quaisquer, mas tão
gritante que esbarra em clichês, justamente aqueles
dos que recusam muito não pertencer a nada. Ah? Os tempos
mortos são construtores de momentos de morte e não de
prolongamento de instantes de vida. No entanto, eles
gritam para ser notados, e são. O som é distorcido em
alguns momentos. A tela é dividida em quadros, a elaboração
espacial visa acima de tudo um impacto, a performance
audiovisual aceita tudo, como uma caça à novidade com
sabor de percurso retrô, não necessariamente com referenciais
em um só endereço. Vemos aqui um candidato à neo-vanguarda
indie latino-americana – com sabor às vezes passadista.
A câmera se faz notar sem tremiliques ou malabarismos,
tanto nos movimentos de “explícita suavidade”, mediados
pela disposição de evitar o corte, como no peso de sua
imobilidade nos planos fixos (longos e sem ação), que
derivam em lugares-comuns da representação do tédio
e do vazio (como a imagem recorrente de Eva, no alto
de um prédio, olhando para o nada com a metrópole à
frente). Eva, sobretudo, não interage de fato com as
pessoas e os lugares, como se fosse um anjo caído que
se descolou da experiência terrena, passando a transitar
pelos espaços como espectro, mas percorrendo o limbo
pelos extremos, embora com intensidade zero. Moribunda
essa ousadia.
Cléber Eduardo
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