ADÃO E EVA (AINDA)
Ivan Ávila Dueñas, Adán y Eva (todavia), México, 2004

No início, o nascimento do mundo, versão Adão e Eva, é construído em animação. Há até uma transa do casal. Temos assim, de cara, um convite para aceitar as imagens em um registro não realista, de um simbolismo irônico. Ironia bola baixa, porque o corte efetuado após a expulsão do primeiro homem e da primeira mulher do Paraíso constrói uma relação entre punição, ambiente e tempo histórico das mais impotentes. Como eles são punidos por Deus e na cena seguinte estão em nossos dias, em uma metrópole (Cidade do México), inseridos em uma tribo de hedonistas angustiados e socialmente identificados pelos figurinos (pós-qualquer coisa), logo se conclui que um segmento jovem da contemporaneidade, nas grandes cidades, representa o símbolo atual do inferno. É desse jeito que, estando chafurdados no prazer sem afeto e no tédio minimalista do cotidiano, eles pagarão pela desobediência original.

A questão principal é o sexo. Os dois tiram muito a roupa, transam com quem trombam pelo caminho - mas é um sexo desesperado, banalizado por sua prática quase sem desejo, sem vínculo algum entre as partes, que deserotiza as relações, pois, em vez de romper com as convenções e promover a morte do “eu” no encontro carnal (segundo a visão de Bataille para o erotismo), esse sexo torna-se convencional na transgressão. Ele e ela experimentam, na cama ou fora dela, de tudo um pouco e um pouco mais, mas sem com isso aquecer a tela, sem produzir uma construção de formas, de formas em movimento, de um cinema da pele. Os corpos parecem descarnados, ocos, reduzidos a corpos sem sangue, com gestos sorumbáticos. Sim, é proposta estética. E?

É gritante a recusa a convenções quaisquer, mas tão gritante que esbarra em clichês, justamente aqueles dos que recusam muito não pertencer a nada. Ah? Os tempos mortos são construtores de momentos de morte e não de prolongamento de instantes de vida. No entanto, eles gritam para ser notados, e são. O som é distorcido em alguns momentos. A tela é dividida em quadros, a elaboração espacial visa acima de tudo um impacto, a performance audiovisual aceita tudo, como uma caça à novidade com sabor de percurso retrô, não necessariamente com referenciais em um só endereço. Vemos aqui um candidato à neo-vanguarda indie latino-americana – com sabor às vezes passadista.

A câmera se faz notar sem tremiliques ou malabarismos, tanto nos movimentos de “explícita suavidade”, mediados pela disposição de evitar o corte, como no peso de sua imobilidade nos planos fixos (longos e sem ação), que derivam em lugares-comuns da representação do tédio e do vazio (como a imagem recorrente de Eva, no alto de um prédio, olhando para o nada com a metrópole à frente). Eva, sobretudo, não interage de fato com as pessoas e os lugares, como se fosse um anjo caído que se descolou da experiência terrena, passando a transitar pelos espaços como espectro, mas percorrendo o limbo pelos extremos, embora com intensidade zero. Moribunda essa ousadia.

Cléber Eduardo