20, 30, 40 é mais um
desses breviários das situações da mulher moderna perante
os desafios eternos (o ser amado) ou mais recentes (o
mundo do trabalho). Não é que todos esses recentes relatos
cinematográficos que tentam dar conta da mulher contemporânea,
como O Tempo de Cada Um e a série Sex &
the City, sejam indignos de consideração. O que
espanta acima de tudo nessa espécie de "gênero"
é o fato de todos serem incrivelmente condescendentes
e auto-complacentes em relação à questão feminina. Todos
recaem na primeira esparrela de criar um microuniverso
para refletir seu macroequivalente (quatro amigas da
mesma idade em situações emocionais diferentes em S&TC,
três mulheres de idades diferentes mas em situações
emocionais semelhantes nos dois filmes), tentando dar
um sentido, bem precário (como só poderia ser) de totalização
da experiência feminina. Em seguida, esbarram na fórmula
sub-existencialista de ficar colocando seus personagens
sempre diante de situações difíceis que serão resolvidas,
naturalmente, sem grandes quebras em seu cotidiano (acima
de tudo sem crises); para por fim chafurdarem na maior
esparrela de todas, ao criar um tipo de cumplicidade
soft entre garotas: a garota que dirige/escreve
o filme e aquela que está assistindo, que elimina qualquer
possibilidade do filme sequer colocar os personagens
em questão. Elas estão sempre certas: o problema é do
mundo que sempre apresenta a elas os homens errados
nas horas certas e os homens certos nas horas erradas.
Não fossem filmes, seriam revistas: Contigo, Cosmopolitan,
Marie Claire.
Os números 20, 30 e 40 correspondem às idades das três
protagonistas deste filme. Xiang é a bela balzaquiana
que trabalha como comissária de bordo e namora dois
homens, um casado (a quem quer) e um solteiro (de quem
quer se desfazer). Xiao Jie é a menininha de vinte aninhos
que chega da Malásia para Taiwan a fim de iniciar uma
carreira como cantora pop star. Por fim, Lily é a proprietária
de uma lojinha de flores que acidentalmente descobre
que o marido tem uma vida dupla com outra mulher, se
divorcia e parte à busca de novos parceiros. Como bem
se vê, trata-se antes de tudo de arquétipos do que de
individualidades: a novinha ainda quer viver seu sonho,
a do meio vive a falta de sentido da posição que alcançou,
e a mais velha vive o trauma do sonho que se transformou
em pesadelo. Tudo, claro, naquele tom leve de comédia
e humor muitas vezes à Miguel Paiva (como na cena em
que Lily foge de seu novo namorado hiperativo porque
está cansada de tanto sexo), que não fede nem cheira
mas faz o tempo passar (bem para alguns, é verdade).
Pela cumplicidade, 20, 30, 40 (e os outros filmes
desse filão) pode também ser chamado de filme-colunismo,
porque desenvolve com seus espectadores aquela sensação
de "Né, gente?" que se vê nesses textos semanais
de jornal. É uma relação perigosa: a complacência às
vezes beira o revanchismo ressentido, a falta de auto-crítica
cheira a imaturidade e o absoluto desinteresse por nuances
e ambigüidades resvala na pura incompetência. Por que
tingir apenas de rosa choque e azul bebê o cotidiano
feminino, quando as mulheres são tão complexas que vivem
deslizando para fora dos arquétipos que inventam para
elas? Nesse sentido, não é o proprio totalizar que é
o mais profundo tipo de reducionismo? Por que três personagens
mais ou menos ao invés de um verdadeiro?
É por isso e por outros motivos que ainda preferimos,
de longe, Meninas Malvadas como o girl flick
dos últimos anos: os arquétipos se interpenetram, refletem
uns os outros, se perspectivam ou se anulam, para no
final validar e invalidar todos, cada um à sua maneira
própria. E, aliás, não é mais fácil cair de amores por
Lindsay Lohan do que por um arquétipo ambulante?
Ruy Gardnier
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