20, 30, 40
Sylvia Chang, 20, 30, 40, Taiwan/Japão/Hong Kong, 2004

20, 30, 40 é mais um desses breviários das situações da mulher moderna perante os desafios eternos (o ser amado) ou mais recentes (o mundo do trabalho). Não é que todos esses recentes relatos cinematográficos que tentam dar conta da mulher contemporânea, como O Tempo de Cada Um e a série Sex & the City, sejam indignos de consideração. O que espanta acima de tudo nessa espécie de "gênero" é o fato de todos serem incrivelmente condescendentes e auto-complacentes em relação à questão feminina. Todos recaem na primeira esparrela de criar um microuniverso para refletir seu macroequivalente (quatro amigas da mesma idade em situações emocionais diferentes em S&TC, três mulheres de idades diferentes mas em situações emocionais semelhantes nos dois filmes), tentando dar um sentido, bem precário (como só poderia ser) de totalização da experiência feminina. Em seguida, esbarram na fórmula sub-existencialista de ficar colocando seus personagens sempre diante de situações difíceis que serão resolvidas, naturalmente, sem grandes quebras em seu cotidiano (acima de tudo sem crises); para por fim chafurdarem na maior esparrela de todas, ao criar um tipo de cumplicidade soft entre garotas: a garota que dirige/escreve o filme e aquela que está assistindo, que elimina qualquer possibilidade do filme sequer colocar os personagens em questão. Elas estão sempre certas: o problema é do mundo que sempre apresenta a elas os homens errados nas horas certas e os homens certos nas horas erradas. Não fossem filmes, seriam revistas: Contigo, Cosmopolitan, Marie Claire.

Os números 20, 30 e 40 correspondem às idades das três protagonistas deste filme. Xiang é a bela balzaquiana que trabalha como comissária de bordo e namora dois homens, um casado (a quem quer) e um solteiro (de quem quer se desfazer). Xiao Jie é a menininha de vinte aninhos que chega da Malásia para Taiwan a fim de iniciar uma carreira como cantora pop star. Por fim, Lily é a proprietária de uma lojinha de flores que acidentalmente descobre que o marido tem uma vida dupla com outra mulher, se divorcia e parte à busca de novos parceiros. Como bem se vê, trata-se antes de tudo de arquétipos do que de individualidades: a novinha ainda quer viver seu sonho, a do meio vive a falta de sentido da posição que alcançou, e a mais velha vive o trauma do sonho que se transformou em pesadelo. Tudo, claro, naquele tom leve de comédia e humor muitas vezes à Miguel Paiva (como na cena em que Lily foge de seu novo namorado hiperativo porque está cansada de tanto sexo), que não fede nem cheira mas faz o tempo passar (bem para alguns, é verdade).

Pela cumplicidade, 20, 30, 40 (e os outros filmes desse filão) pode também ser chamado de filme-colunismo, porque desenvolve com seus espectadores aquela sensação de "Né, gente?" que se vê nesses textos semanais de jornal. É uma relação perigosa: a complacência às vezes beira o revanchismo ressentido, a falta de auto-crítica cheira a imaturidade e o absoluto desinteresse por nuances e ambigüidades resvala na pura incompetência. Por que tingir apenas de rosa choque e azul bebê o cotidiano feminino, quando as mulheres são tão complexas que vivem deslizando para fora dos arquétipos que inventam para elas? Nesse sentido, não é o proprio totalizar que é o mais profundo tipo de reducionismo? Por que três personagens mais ou menos ao invés de um verdadeiro?

É por isso e por outros motivos que ainda preferimos, de longe, Meninas Malvadas como o girl flick dos últimos anos: os arquétipos se interpenetram, refletem uns os outros, se perspectivam ou se anulam, para no final validar e invalidar todos, cada um à sua maneira própria. E, aliás, não é mais fácil cair de amores por Lindsay Lohan do que por um arquétipo ambulante?

Ruy Gardnier