PAIXÃO
Jean-Luc Godard, Passion, França, 1982

Do início

Em entrevistas recentes, Jean-Luc Godard reclama que a quase-totalidade dos filmes atuais começam pelo projetor. Para ele, os filmes devem começar sempre pelo contracampo, isto é, pela câmera. "Um cineasta só tem necessidade da câmera", diz Godard, "para registrar aquilo que ainda não conhece, que ainda não viu". Um projetor – e a aversão que Godard sente por este – só serve para aquilo que já se conhece, que já tem seu lugar na história (das formas, da humanidade: mesma coisa); enfim, para as coisas que já iniciaram e concluíram um percurso (histórico/visual).

O não-visto ou não-reconhecido como contracampo do já-visto ou do visto-muitas-vezes. Nada mais natural se considerarmos o próprio percurso que Godard vem traçando a partir de 1975, ano em que se junta a Anne-Marie Miéville e dá início a um período de intensa reflexão sobre seu próprio percurso de cineasta (Numéro Deux, o primeiro filme de Godard após os experimentos do Groupe Dziga Vertov, é justamente um filme sobre os caminhos já percorridos pelo cineasta até então e o registro da sua tristeza por precisar encarar, com um outro olhar, estes caminhos e conseqüentemente produzir alguma coisa nova, um "trabalho em progresso" que prossegue até hoje). Se Paixão parece uma peça-chave na porção da obra Godardiana que tem início com Numéro Deux, é justamente por essa presença da câmera como aparato insólito, ontológico. É possível falar igualmente da importância que neste filme o cineasta dá às coisas que só podem existir com a câmera, que se confeccionam junto à própria fabricação intensa e ininterrupta que a câmera faz daquilo que registra, mas por enquanto o melhor a se fazer é uma passagem pelo início do filme.

A câmera atravessa um céu nublado, repleto de nuvens escuras, como se borradas no azul da atmosfera; entre estas nuvens a fumaça de um aeroplano traça uma tênue linha branca e reta. Godard continua a pesquisa por este céu até encontrar, próxima a uma nuvem mais clara, a ponta que fabrica esta linha branca, registrando assim a) um percurso que ainda está sendo composto, que se desenha no céu na medida em que a própria câmera precisa encontrar uma maneira de descrevê-lo e b) a existência de uma matéria prévia, de objetos que já existiam anteriormente e que sobrepõem-se àquilo que ainda está formando um caminho, uma história própria. Em outras palavras, esta história ainda em construção, não-acabada e incompleta (como, por exemplo, a do sindicato polonês "Solidariedade" em 1982, ano de realização do filme) que Godard almeja buscar e historiar estará sempre intrinsecamente ligada a uma história que já está feita, que é em si mesma um circuito concluído (como a de um certo trajeto da história das artes, neste caso do cinema e da pintura).

Deste elogio ao acaso, ao que é no fim das contas uma arte que surge da investigação viva e imperfeita dos eventos que pertencem ao mundo, Godard parte para o plano seguinte. Vemos Isabelle, a jovem operária que no filme será destituída do seu "trabalho", realizando aquilo que é a princípio este trabalho: ela carrega um carrinho no corredor do que parece ser uma usina. Análoga à cena anterior, a condição de Isabelle aqui é a de justamente materializar e animar esse itinerário incerto, que ainda avança um pouco vacilante, mas avança de qualquer maneira; quanto à usina, esta possui uma função visivelmente semelhante à do céu e das nuvens na cena anterior. Sua presença essencialmente plástica, artificial e inflexível antecede o corpóreo e os movimentos que a carne – e apenas ela – pode realizar no seu interior. Número Dois novamente: para haver essa história em execução (a câmera), é preciso haver uma outra que já acabou (e cujo itinerário é um só, sempre: o da projeção).

O que segue são algumas das associações de imagens mais memoráveis que já vimos em qualquer trabalho de Godard. Retornamos ao plano do céu, mas desta vez não encontramos o traço composto pelo aeroplano, e no meio da procura enérgica que a câmera realiza somos tirados das nuvens claras onde havíamos visto este traço pela última vez e retornamos às nuvens escuras do início; é neste momento que Jerzy, o diretor do filme cuja rodagem é o centro-nervoso de Paixão, nos é apresentado (abaixo do mesmo céu que seu companheiro Godard explora e junto a Isabelle, que numa bicicleta se agarra ao carro de Jerzy para poder acompanhá-lo). Ao plano de Jerzy sucede o momento – o momento exato – em que a câmera finalmente consegue sair do céu obscurecido para encontrar novamente a linha que o aeroplano forma no céu. Será numa cena posterior, próxima ao final, que sai da boca de Jerzy a frase que explica todo o mistério que está tomando forma nestes primeiros instantes do filme: "É preciso continuar procurando... Seguir, e achar a abertura". É difícil pensar em outras ocasiões onde Godard foi tão contundente na tentativa de fazer uma declaração de princípios acerca do seu próprio trabalho de cineasta: todos esses vaivens trabalham com a idéia, um pouco obsessiva e abstrata, de que é necessário continuar procurando as coisas que acontecem, que ainda podem acontecer no mundo onde vivemos e do qual fazemos parte (este "fazer parte" traduz-se, na linguagem Godardiana, em "colocar a câmera" ou "situar o olho"), pois são nestas coisas que permanecem os espectros daquilo que uma vez (Número Um) aconteceu.

Nas cenas seguintes, todos os trajetos por fim se completam (Godard não é um inocente: ele sabe que tais coisas são inevitáveis, mas mesmo assim as encara com uma dignidade admirável): o casal Hanna-Michel nos é introduzido, oportunamente, ao fim de uma relação sexual. Hanna ajeita as calças, Michel vai ao banheiro (Número Três?). No plano seguinte, a câmera mais uma vez procura o traço do aeroplano no céu, mas este já se escondeu atrás das nuvens, e assim todo este movimento inicial do filme termina: a câmera estaciona, e não demorará muito para sermos levados ao início das "histórias". A coragem de Godard em reconhecer que, sim, existe este momento onde tudo já está dito e feito (o pós-sexo aqui tem um emprego semelhante ao de Numéro Deux), a necessidade de olhar na cara deste momento e tirar a possível beleza dele, de fazer sua representação, isto é em grande parte todo o esforço de Godard em Paixão, toda a sua inspiração e também seu entusiasmo (o título não foi escolhido apenas pela sua graça, isso é certo).

Começa o filme.


O Estado das Coisas

É 1982. Deste período, Godard parece preocupado em incorporar ao seu filme pelo menos duas importantes direções tomadas dos cenários político e filosófico de então: a discussão, que ainda encontrava-se nos seus primórdios, sobre uma provável "morte do cinema" (em 1981 Serge Daney abandona a editoria do Cahiers du Cinéma para montar no jornal Libération um "serviço imagens" onde é posto em discussão o surgimento de um amálgama entre cinema/novas mídias/televisão, pois segundo o próprio "não é mais possível se ocupar apenas do cinema"; e, no ano seguinte, Wim Wenders lança O Estado das Coisas e Chambre 666, espécies de filmes-manifesto desta morte); e os acontecimentos que transcorrem na Polônia referentes ao grupo "Solidariedade" (como com Sarajevo em Forever Mozart e o Vietnã em Letter to Jane).

Por que em Godard o interesse em fazer refletir, ou melhor, em fazer passar pela sua câmera (mesmo no imemorial Histoire(s) du Cinéma faz-se necessário ir de encontro com Sarajevo e 2a Guerra Mundial) esses traços do contemporâneo, de pautar aquilo que é tão fugidio quanto... as próprias imagens de um filme? Todo esse furor provavelmente de uma necessidade bastante elementar, talvez a única realmente 'metalingüística' do seu cinema: para se filmar "o trabalho", é necessário ir a trabalho também. E este trabalho, para Godard, é o de evitar que o cinema seja apenas dois espelhos que rebatem um ao outro infinitamente (o primeiro plano de O Desprezo; o último de Elogio ao Amor), ou o de trazer à tela os trabalhos que podem existir num dado momento da história daquilo que chamamos de "civilização". As fábricas da Renault, fechadas em Elogio ao Amor, ou a usina de Michel Piccoli em Paixão funcionando de todo: só com a câmera, a grande Usina Lumiére, é possível realizar este trabalho – o registro (em película) de um mundo.

Mas ainda é 1982. Que fazer, por exemplo, do "Solidariedade"? Que fazer deste momento de apogeu das oficinas vídeo-cinema, como a Zoetrope Studios de Coppola em Hollywood ou a própria Sonimage de Godard e Miéville em... Rolle? Ou de Hanna Schygulla e Isabelle Huppert? Hotel ou estúdio, pintura ou cinema, apogeu ou crepúsculo? Que fazer disto tudo? Para Godard, apenas uma alternativa: não uma imagem justa, mas justo uma imagem. Justo uma imagem, no caso de Paixão, está na maneira como Jerzy se coloca diante de todos os vértices que culminam na própria desordem que transcorre durante o filme todo: é o ponto que Godard encontra, ainda no início, entre céu e terra, e que dentro do filme Jerzy irá encontrar entre Hanna e Isabelle. Encontrará também Michel, Sophie, László, Jean-François, Boris Kaufman e Josef von Sternberg, Goya e Rembrandt, mas é da fricção entre estas duas mulheres, "noite e dia" como diz Jerzy (e como Godard mostra), que surgem todos os trabalhos (ou movimentos) contidos no filme.

De imediato uma hierarquia: Hanna é dona de hotel e casada com o proprietário da usina onde trabalha Isabelle; Isabelle é uma operária e acaba de ser destituída do seu trabalho. Que ao final do filme Godard destruiu essa divisão não é de qualquer forma espantoso; o que é espantoso é o fato de uma outra, muito mais subterrânea e imperceptível, ser destruída ao mesmo tempo. Pois Isabelle e Hanna não deixam de ser peças criadas e conseqüentemente opostas por Jerzy (e, portanto, por Godard); porém, quando as duas se juntam ao final do filme para saírem à procura de Jerzy não é só a primeira hierarquia (Hanna como patroa, Isabelle como operária) que está sendo destruída: os patrões Jerzy/Jean-Luc estão sendo igualmente postos à parede neste momento em que suas criações replicam a mesma ânsia pela busca que num primeiro instante (a fumaça do aeroplano entrecortando o céu no início) as originou. As duas continuarão prosseguindo por um caminho que pode tanto levá-las a uma fábrica da Peugeot como talvez, quem sabe, à Polônia. Este mecanismo simultâneo de auto-aniquilação e renovação é apenas a extensão natural de algo já presente nos planos de abertura do filme1.


"Não se deve zombar da classe operária"

Talvez seja interessante ou mesmo necessário trazer à discussão um outro Jerzy que, em 1982, estava trabalhando numa direção semelhante à de Godard. Trata-se de um diretor que como o Jerzy de Paixão é também polonês, e que como Godard foi figura fundamental no panorama cinematográfico dos anos 60. Falo de Jerzy Skolimowski.

Quando Skolimowski, em exílio na Inglaterra, cria num apartamento de dois andares em Londres a mais bela transposição para cinema da situação pela qual a Polônia passava com Classe Operária (Moonlighting, 1982), ele está indo de encontro a Godard em mais de uma maneira. O que ambos fazem neste espaço privilegiado do ateliê-estúdio (o apartamento em Classe Operária, o estúdio de Paixão) é pôr à luz e em cena o que de mais avançado se pensava (e ainda se pensa) sobre estatutos de representação factíveis e dignos de uma contemporaneidade que ambos irão, de uma maneira ou de outra, corromper em seus filmes. É aquilo que Inácio Araújo descreve no seu belíssimo texto2 como "verossímil" ("Algo que parece verdadeiro, mas é apenas uma imitação") e que no filme de Godard é exposto na banda de áudio a dado momento como "não uma mentira, mas algo imaginado, que nunca é a verdade exata nem o seu oposto, mas que em todo o caso é separado do real exterior pelos 'quase' profundamente calculados do verossímil"; pois bem, é precisamente isto que tanto Godard quanto Skolimowski irão pôr à prova em seus ensaios/reflexões/réquiens de um certo rumo que pressentem não só para a Polônia como também para toda uma experiência dos cinemas modernos, todo um período que parecia chegar ao seu fim. É verdade que não são os únicos a realizarem filmes neste espírito (além dos trabalhos de Wenders, poderíamos citar ainda Olhos na Boca de Marco Bellocchio ou Amantes de John Cassavetes), mas o fato é que de certa forma são filmes que esbarram um no outro, contaminam-se do período em que foram realizados e de si mesmos.

Se os dois filmes não são meras lamentações (como O Estado das Coisas é, por exemplo), é porque Godard e Skolimowski acreditam que ainda existem caminhos a serem perseguidos, de história(s) a se acossar. É uma tarefa árdua, certamente, que pode inclusive resultar no mais implacável dos fracassos; mas este seria um dos mais honrados, dos únicos que realmente valem o risco (como disse Welles sobre seu personagem em Falstaff, "Ele luta uma batalha já perdida"). Neste espaço íntimo do quarto de hotel (Paixão) ou do apartamento em construção (Classe Operária) são retraçados e repensados os itinerários políticos, artísticos e pessoais de seus autores. Ambos os filmes são espécies de "Número Dois", partilham de um mesmo anseio em partilhar coisas recolhidas ao longo de anos (especificamente os 70) ao mesmo tempo em que examinam com todas as incertezas e angústias possíveis as coisas que por volta de 82 ainda tocam a Godard e Skolimowski: se Paixão retoma e expande algumas das questões que ganham importância vital na obra de Godard a partir de O Desprezo (as maneiras como as histórias da humanidade e da arte encontram-se e confundem-se, a realização de um itinerário pelas histórias das formas e das representações, as dificuldades da criação e a futilidade em se tentar separar o íntimo do empreendimento filosófico), Classe Operária encerra uma porta que Skolimowski abriu em Ato Final (a saber, a de entrada na Inglaterra, e tudo aquilo que irá vazar em seus filmes a partir de então: um sentimento irreparável de desamparo, de se encontrar sozinho num ambiente hostil e que pouco se conhece; uma tristeza profunda por um mundo ao qual se dá o último adeus – a adolescência em Ato Final, a Polônia de tempos distantes em Classe Operária).

Notável como nestes pequenos réquiens que são Paixão e Classe Operária, O Estado das Coisas e Chambre 666, Olhos na Boca e Amantes, a residência ganha uma pregnância assustadora, verdadeiramente fantasmática: espécie de ventre, forte-apache cósmico e Arca-de-Noé em Amantes; vazio da estagnação, da interrupção e da amargura em O Estado das Coisas e Chambre 666; casa fúnebre e espaço solene de uma última possível revolução íntima e sem escalas em Olhos na Boca. Em Classe Operária não existe qualquer coisa próxima a uma "realidade espacial": o ambiente do apartamento é propositalmente precário, instável, confuso e repleto de variações de todos os tipos (escalas, volumes, dimensões, planimetrias: todos são devidamente deformados num primeiro instante para tornar possível a reforma que ocorrerá durante o resto do filme). A maneira com que este tratamento visual extraordinariamente consegue representar a própria situação que ocorria na Polônia à época surge do controle com o qual Skolimowski mantém todos os elementos do filme num plano que é ao mesmo tempo moderado e extremamente figurativo. Quanto a Godard...


"O que mergulha na luz é a repercussão do que a noite submerge...
O que a noite submerge prolonga no invisível o que mergulha na luz"

Muito já se falou do trabalho de composição de luz e das reproduções de pinturas célebres que Godard realiza em Paixão, mas nada disso neste texto – ao menos até aqui. É verdade que é tarefa das mais ingratas tentar dar conta daquilo que numa tela de cinema já é de beleza indizível, mas talvez seja precisamente esta a possível glória do trabalho crítico: fazer a história deste fracasso.

O que acontece no estúdio onde as pinturas são reconstituídas, remontadas? Há um diretor que não sabe mais muito bem o que quer, que busca a "luz verdadeira" no meio de um quase que completo caos; vemos algumas figuras escapando de quadros dos quais a princípio fazem parte e perambulando por pinturas diversas, atravessando mesmo duas ou três num só percurso; testemunhamos uma espécie de limbo histórico onde Goya encontra Delacroix, El Greco se soma a Rembrandt, e assim continua. Tudo isto se configura muito menos em uma possível crítica à tecnologia (da qual Godard sempre se beneficiou – apesar de desconfianças muito acertadas –, provavelmente mais até que qualquer outro cineasta) que numa espécie de pedido, de verdadeira súplica aos homens de cinema: mesmo diante de um momento em que a memória excede em muito a história ("os jovens de hoje são só memória, não há história" – o próprio Godard em Prenome Carmem), Godard mantém-se sóbrio à ameaça de uma possível anemia (cujo diagnóstico é o próprio leitmotif do posterior Histoire(s) du Cinéma). As brigas pela luz perfeita, a busca pelos mestres do passado3, tudo isto por apenas uma razão: mesmo diante da amnésia e da subseqüente perda (do passado, da pintura, do cinema), faz-se necessário continuar o trabalho (o "precisamos continuar buscando" de Jerzy, próximo ao final do filme).

Numa das cenas mais simples e belas de todo o filme, Jerzy e Isabelle conversam, sentados à mesa. Isabelle pergunta por que Jerzy se recusou a deixá-la vê-lo trabalhar, e Jerzy pergunta se ela ama o trabalho. Ela diz que muito, e que irá sentir falta de seu antigo emprego na usina. Jerzy pergunta então se esse amor ao trabalho, se o "amar" de Isabelle vem de amor. "Não...", responde Isabelle, "... ele não vem... Ele vai em direção ao amor". Um real amor pelo trabalho (um amor que se pode ter pela política, pelo cinema – afinal ambos são uma coisa só), Godard nos mostra durante todo o filme, só pode ser encarado como uma forma de trabalho. É este tipo de amor que vemos num filme recente, de 1997, intitulado The Blackout. Talvez tenha sido necessário este espaço de 15 anos para que um cineasta – e um dos grandes, Abel Ferrara – pudesse retomar alguma coisa que Godard havia deixado em aberto. No filme de Ferrara vemos um ator dividido entre uma mulher francesa e uma alemã, um diretor ensandecido com reproduções em vídeo ad infinitum da Nana de Christian-Jacque (aqui a amnésia não é mais uma mera ameaça: trata-se de uma força da qual é impossível escapar), mas mais do que qualquer coisa vemos – depois de 15 anos – esse "algo" que mergulha na luz e é a repercussão do que a noite submerge. Esta substância etérea, essa luz que se precipita no bater do mar à noite, podemos não ter idéia do que ela é, nem de onde vem, mas sabemos onde a vimos pela última vez.


Bruno Andrade

1. Alain Bergala: "Godard freqüentemente começa com o ato da descoberta, num meio-termo entre acaso e necessidade, sempre arraigado à concretude da criação, e é apenas mais tarde que ele extrai as lições desta descoberta, estendendo-as em outra cena ou entrelaçando-as com outro filme".

2. "Elogio à Paixão".

3. Não é por mero acaso que Godard escolhe abrir as cenas no estúdio com uma reprodução de Rembrandt – justamente o pintor que mais severamente se opôs ao maneirismo –, chegando a fazer uso da voz de diversos personagens do filme – incluindo o diretor de fotografia Raoul Coutard – para melhor estudar as peculiaridades da obra. Não deixa de ser interessante também notar que Godard realiza no meio disso tudo uma operação paradigmática do maneirismo – a reprodução de uma reprodução de uma reprodução...