OS SETE SAMURAIS
Akira Kurosawa, Shichinin no Samurai, Japão, 1954

Uma excelente maneira de começar a compreender Os Sete Samurais é assistindo ao trailer do filme, que vem como bônus no DVD lançado pela Continental. Curiosamente, contrariando toda a lógica do trailer convencional (contar o ponto de partida do filme e deixar o espectador com água na boca para conhecer o resto), uma das primeiras imagens deste consiste na última imagem do filme: os túmulos dos quatro samurais mortos durante a batalha travada ao longo do que é considerado o correlato de Kurosawa para o western americano. O narrador do trailer informa em off que os três samurais sobreviventes nunca mais foram vistos, mas permaneceram na memória dos moradores daquele vilarejo em que combateram não por ambição, e sim para fazer justiça, proteger o povo da delinqüência dos bandidos exploradores. Os quatro túmulos dos samurais abatidos, rondados pela poeira levantada pelo vento, e as flores ao redor das casas simbolizando a paz restabelecida constituem o início deste trailer composto de forma interessante, uma vez que mostra aquilo que corresponde, no tempo diegético, ao momento posterior ao final do filme. A narração do trailer, embora não pertença ao filme, entrega o seu grande mote, que é contar uma história do ponto de vista de quem, por mais que alcance um determinado objetivo, não se considera vencedor. A História tem uma propensão natural a servir de palco para os vencedores, e o que está em discussão em Os Sete Samurais não é necessariamente essa escolha, mas antes o que exatamente faz um lado poder se considerar vitorioso, enquanto o outro lamenta a miséria.

Se estudamos as revoluções burguesas do século XVIII, é para conhecer a "evolução" que elas representaram para a nossa civilização, ouvindo o discurso da classe triunfante. Os samurais de Kurosawa são vitoriosos dentro do esquema de ação do filme, porém Kanbei, o mais velho e líder do grupo, termina o filme dizendo para Shichiroji, outro resistente samurai, que novamente foram derrotados, pois quem venceu verdadeiramente foram os lavradores a que prestaram ajuda. Vitoriosos na batalha contra os bandidos, mas perdedores na luta contra o tempo e a história, que novamente os atropelará: assim acabam os três samurais que sobrevivem. O último plano do filme realiza uma panorâmica dos corpos de Kanbei e Shichiroji em direção aos túmulos dos companheiros mortos. Antes disso Shino, o mais novo, havia saído de quadro em busca de sua jovem amante, que lhe ignora e se junta aos demais lavradores, entregando-se a danças e cantorias que acompanham a colheita. Nesse sentido de relativizar a história e elevar uma voz que se assume vencida, Os Sete Samurais tem algo em comum com a obra-prima A Inglesa e o Duque, de Éric Rohmer, filme que concentra a narrativa em torno da nobreza degolada durante a Revolução Francesa. (São dois filmes feitos de forma completamente diferente, e com motivações diferentes, mas que coincidem ao afirmar que a história é um conjunto caótico de forças divergentes, e não uma reta governada por fatores lógicos, ou muito menos por justiça.) A historiografia não tem por hábito destinar-se ao registro dos vencidos, e o anseio de Kurosawa não é reparar essa "parcialidade" (já que seu filme é perfeitamente parcial em mostrar o exército formado por samurais e camponeses em combate ao outro, os bandidos) – seu questionamento é quanto ao valor do sangue derramado. Seus heróis não lutam em nome de si mesmos, e talvez por isso tenham sido incorporados à ambigüidade personalística do herói do western, o nômade que age segundo códigos próprios, individualista até o fim do mundo, mas auxiliador na manutenção da ordem dentro das cidades – locais de assentamento e coletividade.

Os Sete Samurais é um daqueles raros filmes em que mais de três horas de duração são sentidas como um raio que passa deixando saudades já na subida dos créditos finais. Sentimento de passagem muito afeito ao que impregna os rostos de Kanbei, Shichiroji e Shino na já citada última cena. A tristeza dos três samurais e a alegria dos lavradores: é com essa oposição radical que Kurosawa marca esse e outros finais ao longo da sua carreira. Céu e inferno, sempre. Há constantemente um jogo de extremos, como nas posições, por exemplo, de Kyuzo, samurai calado e ultra-habilidoso, e Kikuchyio (Toshiro Mifune), galhofeiro e extravagante, alívio cômico em muitas cenas. Fica clara a relação de atração-repulsão entre esses pólos: o filme deixa bem marcada a diferença de estilos entre Kikuchyio e Kyuzo, mas quando morre o segundo, o primeiro sai enfurecido em busca do culpado, o que resultará também na sua morte.

O que interessa a Kurosawa não são as honrarias nem as recompensas materiais, mas sim o espírito de companhia alimentado dentro do grupo. Companhia que não depende de intimidade nem de admiração; simplesmente nasce de uma contigüidade quase física entre os corpos, como uma amizade de escola que cresce menos pelas afinidades entre as pessoas do que pela convivência diária. Um elogio do companheirismo na sua dimensão radical, que se dá pela força da presença. Quando Kikuchyio toma uma atitude individualista e abandona seu posto, voltando em posse de uma arma de fogo, Kanbei o repreende severamente – e olha que do ponto de vista militar sua atitude tinha sido das mais bem sucedidas. Não importa se houve vitória estratégica na ação de Kikuchyio, pois ele feriu a ética do trabalho em grupo e ponto final. O mesmo Kikuchyio, contudo, se mostra sempre solidário e se sacrifica para ajudar alguém que se ache em perigo. Os Sete Samurais é um épico da camaradagem. Numa obra que deve ter gerado horas e horas de material filmado, a direção de Kurosawa é um esforço permanente para sublinhar a importância (estética, social) do conjunto.

Luiz Carlos Oliveira Jr.

(VHS Tocantins; DVD Continental)