DOIS FILMES DE JINGLE MA
Jingle Ma, Tokyo Raiders & Silver Hawks,
Hong Kong, 2000 e 2003, respectivamente

Como em toda cinematografia que se preze, na de Hong Kong existe o dreamteam (Wong Kar-wai, Tsui Hark, Fruit Chan, King Hu, Chang Cheh) e existem os reservas, sendo que dentre estes últimos há também de se separar o joio do trigo. Jingle Ma ocupa justamente essa posição de reserva, o que devemos enxergar menos como depreciação de sua obra do que como reconhecimento de que, em meio a gigantes, mesmo os que são mais que artesãos competentes, e desenvolvem um estilo, têm seu brilho ofuscado. Em Tokyo Raiders e Silver Hawk, filmes lançados diretamente em DVD no Brasil, Jingle Ma confirma um apreço pelos heróis hi-tech, estejam eles à margem da autoridade oficial (estereotípico desdobramento social da face oculta do herói de quadrinho) ou a ela integrados. O agente federal secreto interpretado por Tony Leung em Tokyo Raiders representa o segundo caso, cabendo à Silver Hawk de Michelle Yeoh, internacionalmente conhecida por sua habilidade de atriz-lutadora – e que também produziu o filme –, a dupla-personalidade de Lulu (metade do tempo modelo e a outra metade justiceira). São dois exemplos clássicos de ficção conservadora, em que a fórmula situação-ação-situação está diretamente ligada à ameaça de uma ordem que ao final é mantida.

 

Silver Hawk é uma super-heroína que, como digna representante da classe, não necessita da ajuda dos objetos que não são os seus. Auto-suficiente, ela dispõe de todo um arsenal pessoal, à diferença do espião à James Bond de Tony Leung em Tokyo Raiders, que, em cada luta, a primeira coisa que faz é olhar à volta para achar o que pode usar em seu favor (o que vai de canetas e lápis até patinetes motorizados). Silver Hawk possui a mesma estrutura de um filme de super-herói como Homem Aranha: par romântico com histórico situado na inocência da infância, relação ambígua do herói com a imprensa e a polícia (ora a favor, outrora contra), moral e conduta (de heróis e de vilões) transparentes, um professor cientista cuja invenção genial e revolucionária é apropriada pela força maligna etc. Tokyo Raiders, por sua vez, tem uma estrutura menos empedrada, mais fluida. Embora igualmente ancorado num imaginário típico das histórias em quadrinho, elege tramas e situações menos convencionais que Silver Hawk, estando mais para um filme com Jackie Chan como Mr. Nice Guy (de Sammo Hung, 1997) do que para as adaptações cinematográficas dos quadrinhos da Marvel. Em comum, os filmes apresentam a característica de Jingle Ma de concentrar a mise en scène em torno dos atores principais com que trabalha. Tudo se articula e se explica em torno da presença centralizadora dos protagonistas. Michelle Yeoh, do elenco de O Tigre e o Dragão e que já foi bondgirl em 007- O Amanhã Nunca Morre, está no centro do enquadramento e da composição como um todo de Silver Hawk (é impressionante como a fotografia e os cenários se pautam quase que unicamente no seu visual clean), enquanto em Tokyo Raiders a narrativa se divide entre os personagens de Tony Leung, Ekin Cheng (também cantor pop) e Kelly Chen.



Com relação à aproximação entre personagens e câmera no filme de kung fu, vale lembrar que foi a partir da mestria de atores como Bruce Lee e Jackie Chan que surgiu uma tendência "naturalista" de filmar a ação. A destreza desses lutadores permite que a cena de ação seja não mais que documentada; a decupagem se torna um esforço tão-somente voltado para a melhor maneira de mostrar uma composição de movimentos por si só dotada de acabamento e simetria. Os grandes cineastas, entretanto, buscarão nessa possibilidade "naturalista" justamente a chave para a sua ultrapassagem: Tsui Hark, por exemplo, tem a opção de trabalhar com os melhores atores de artes marciais, e compõe um quadro de ação que tanto valoriza os movimentos de seus intérpretes quanto supera as noções de lógica e fisicalidade e instaura um espaço-tempo autônomo, de pura fabulação imagética – uma complexa e excitante coreografia. Jingle Ma não se enquadra nem de um lado nem de outro; segue uma linha mais "artificialista" do cinema de kung fu, sem dúvida alguma, mas também não pode ser visto como um "artesão do ilimitado". Seu modo de filmar fragmenta os golpes em planos de movimento nem sempre contínuo (eis mais um forte adepto dos jump cuts), sugerindo a ação numa abstração de montagem. No repertório de Jingle Ma impera um princípio anti-baziniano de trabalho de imagem: não são poupadas constantes câmeras lentas ou acelerações. Mas narrativamente seus filmes são mais (Silver Hawk) ou menos (Tokyo Raiders) lineares e amarrados, o que contribui para a revelação de uma proposta inequívoca de cinema comercial: a de ser agradável, acima de tudo. E a verdade é que seus filmes conseguem simpatia imediata em alguns momentos, definindo seu tom primordial na cena de abertura de Silver Hawk, em que a heroína persegue um caminhão, enfrenta vilões caricatos, gasta sua energia para, no desfecho da seqüência, abrir uma caixa do carregamento clandestino que interceptou e encontrar um urso panda, tão afável quanto potencialmente agressivo.

Luiz Carlos Oliveira Jr.


(Tokyo Raiders: DVD/VHS Columbia TriStar
Silver Hawk: DVD Flashstar)