Decidir se queremos ou não
levar à frente a instalação da
ANCINAV depende de respondermos a três perguntas:
1) desejamos ter um cinema feito no Brasil ou tanto
faz?; 2) queremos uma produção cultural
heterogênea ou isso é bobagem?; 3) a TV
brasileira precisa melhorar a sua oferta de conteúdo
ou está bom assim?
Se a primeira resposta é que queremos fazer cinema
no Brasil, então temos que admitir que o Estado,
que hoje banca 100% da produção nacional,
tem todo direito de dividir a conta com a iniciativa
privada. É verdade que empresas privadas colocam
seus logotipos em nossos filmes através das leis
de incentivo, mas na realidade o dinheiro sai todinho
dos cofres públicos. Em relação
aos resultados dessas produções, a matemática
é bem simples: os prejuízos são
públicos e os lucros privados. A proposta da
ANCINAV é justamente fazer com que os setores
econômicos que exploram o mercado audiovisual
brasileiro contribuam com a fatura. O nosso mercado
audiovisual não é fraco. O faturamento
é de bilhões. Se queremos fazer cinema
aqui, é inteligente e justo exigir que os segmentos
que lucram nesse mercado participem junto com o Estado
do fomento imprescindível.
Todos concordam que os números e mecanismos apresentados
no documento inicial precisam ser mais bem avaliados
para se encontrar a forma mais equilibrada dessa contribuição.
Ninguém quer que salas de cinema se fechem. Porém,
o que vem ocorrendo, é que os setores que devem
passar a contribuir estão se apegando a equívocos
pontuais do documento para melar o conceito. É
uma tática de curto prazo e pouca eficácia.
Seria bem mais inteligente que eles ajudassem o governo
a incluir na conta a taxação da TV, por
exemplo, porque quanto mais setores participarem, menor
o custo para cada um deles.
Essa balela de dirigismo cultural e autoritarismo que
está nas mesmas bocas de sempre é apenas
a senha berrada para assanhar a mídia em defesa
do lucro das grandes empresas que controlam nosso mercado
audiovisual. Nada mais é do que um grito de guerra
para que toda essa turma se ponha em guarda.
Praticar uma estratégia de preços que
exclui o grosso da população porque é
mais lucrativo dirigir o produto cinematográfico
apenas para as classes A e B não é dirigismo
cultural?
No entender dessa gente, todas as escolhas feitas em
nome do santo lucro não são dirigismo
cultural. Desejar intervir no mercado para se obter
recursos que permitam a criação de um
circuito popular de cinema, por exemplo, é dirigismo
cultural. Quando a Motion Pictures esforça-se
para impedir a construção de salas digitais
com ingressos a um, dois, ou três reais porque
isto não corresponde a seu planejamento estratégico,
também não é dirigismo cultural.
Essa história de dirigismo cultural, intervencionismo
no mercado, ameaça à liberdade é
um blefe, apenas um grito de guerra de quem acredita
que o lucro das grandes companhias é o maior
valor da sociedade. Mas a história tem mostrado
que deixar o capitalismo solto é promover a barbárie.
O principal produto do neo-liberalismo é a exclusão.
Nós elegemos o Lula conscientes disso.
Voltemos à ANCINAV. Além de pretender
dividir a fatura do governo com as companhias que lucram
no mercado para consolidar o projeto de um cinema plural
no Brasil, a ANCINAV também se propõe
a dar uma organizada nesse mercado audiovisual que está
entregue aos lobos. Para eles, por exemplo, não
há possibilidade de um circuito popular no país
porque pobre não tem dinheiro para pipoca - ponto
final, encerrada questão.
Quando eles dizem que não é preciso mexer
em nada porque estamos indo muito bem, somos obrigados
a perguntar: bem para quem, cara pálida?
- 91% das cidades brasileiras não têm cinema;
- naquelas em que há, a política de preços
faz com que ele só esteja acessível a
uma fina fatia da elite brasileira;
- existe uma reserva de mercado às avessas sendo
praticada pelos americanos em nossas salas de exibição;
- o mercado de vídeo e DVD apresenta uma dupla
pirataria, a pirataria das ruas e a pirataria dos escritórios;
- quando nós, produtores brasileiros vamos à
TV comprar mídia para um filme brasileiro, apresentam-nos
a mesma tabela de preços que vale para quem vende
cerveja, aliás, para nós é mais
caro;
- temos que tirar nossos filhos de frente da TV porque
os filmes comprados e exibidos são, em sua maior
parcela, lixo americano que incentiva o preconceito
e a violência;
- as TVs, essas concessões públicas, não
compram filmes brasileiros (exceções comprovam
a regra).
É isso que está indo bem e não
deve ser mexido? O santo lucro que nos perdoe, mas queremos
organizar melhor isso aí. Para isso, não
podemos fazer como faz Hollywood e dividir o mundo entre
bons e maus. Nada disso, é hora de um grande
debate para se encontrar os dispositivos mais equilibrados
e justos para alcançarmos os objetivos da ANCINAV:
consolidar uma produção audiovisual brasileira
plural e melhorar a oferta e o acesso aos conteúdos.
É hora de melhorar a redação da
Lei através do debate público. Ganha-se
mais que tentar brecar a História.
Luiz Bolognesi - roteirista de Bicho de Sete Cabeças
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