A Batalha de Riddick
David Twohy, The chronicles of Riddick, EUA, 2004

Para os que viram Eclipse Mortal (Pitch Black), de 2000, este A Batalha de Riddick pode ser uma surpresa. No filme anterior Twohy realizou um claustrofóbico filme de ficção-horror barato, onde os personagens eram apenas escadas para um quase delírio visual, e a escuridão surgia como a grande inimiga - onde o teor beirando o abstrato das imagens era o maior atrativo. Mas também foi ali que surgiu Vin Diesel, que desde então (com a ajuda de Velozes e Furiosos e de Triplo X) tornou-se uma grande estrela de ação em Hollywood. Não deixava de soar como uma idéia interessante um ator já tornado pop star voltar a um personagem de um filme menor numa continuação - mas é aí que começam as constatações de como este novo filme tem muito pouco a ver com o anterior.

Uma boa comparação (ainda que não de estilos de cineastas e sim de ambições) pode ser feita com os filmes de Matrix. O estouro do primeiro foi uma certa surpresa, onde visuais inovadores e trama algo diferenciada pegavam o público dos blockbusters de verão de surpresa, criando um certo culto. Se Eclipse Mortal não chegou a ser um blockbuster, sua continuação entra no mesmo trajeto da dos filmes dos irmãos Wachowski: pegar o que era uma pequena grande idéia, e tentar torná-la um épico "maior que a vida". Só que, se no caso dos irmãos o fracasso foi gradual (o segundo lucrou, mas muito menos do que seu excessivo marketing podia fazer supor; e o terceiro sim, o ápice da megalomania, foi uma bomba), no caso de Twohy ele é radical: Riddick foi um dos grandes fracassos de bilheteria deste ano nos EUA (e no mundo), e a continuação que seu final parecia antever certamente já subiu no telhado.

Na verdade, Riddick funciona como uma quase-paródia dos filmes Matrix, com a mesma megalomania que torna seus vilões e herói (também um Messias, um salvador da raça) figuras absolutamente maiores que a vida - mas que ainda assim cismam em acertar suas diferenças com uma boa e velha troca de sopapos. Mais do que na trama, porém, é na constante tentativa de ser mais "sério" e relevante que Riddick reproduz e ultrapassa em muito o que era risível nas continuações de Matrix: o "kitsch" absurdo do visual, os diálogos proto-sérios (aqui, o tom e as tramas remetem a Shakespeare - coitado - e a temas relacionados à tolerância religiosa), acima de tudo o desejo de criar um universo cinematográfico grandioso, único, cheio de suas regrinhas internas de relações e História entre os elementos. Se Matrix eventualmente caía no ridículo em tais tentativas, Riddick se refastela nele - ao ponto de chegarmos a nos perguntar se não seria tudo uma grande piada (mas não se escala Judi Dench para fazer piadinhas consigo mesmo).

No registro cômico, aliás, pode-se tirar algum prazer do ato de assistir o filme, porque há coisas realmente inacreditáveis (dos diálogos de Diesel, em especial, ao figurino e direção de arte cheios de frufru, a cenas como a assembléia planetária que parece comercial da Benetton). Mas, infelizmente a graça é desigual e é mais comum que o filme soe enfadonho. O que é uma pena, porque Twohy mostra aqui, em ocasiões, seus verdadeiros talentos: primeiro o de reciclar toda uma tradição do cinema B, quase Z, norte-americano (Riddick em muitos momentos parece estar homenageando alguns dos gêneros mais típicos deste cinema - o filme de invasão alienígena, o filme de prisão, o filme de gladiador, até mesmo o filme de luta-livre!); e, segundo, o de criar abstrações visuais e grafismos como pouco se vê no cinema de ação atual. Nestas cenas, vemos tudo que A Batalha... podia ser se se levasse menos a sério (e o título original já serve de alerta quanto a isso, com o auto-importante The Chronicles of Riddick - As Crônicas não é uma boa tradução, porque Chronicles tem um peso mais de mito mesmo). Nestes momentos esparsos, o filme é quase bom - mas logo depois volta para seus arroubos shakespearianos ou para a pretensa mitologia que tenta urdir (mas nunca cola), ou ainda para cenas com Riddick só "sendo macho", soltando diálogos quase inacreditáveis de tão clichê (este é o tipo de filme onde o vilão, no final, quase vira vilão de James Bond ou de desenho animado - nunca ameaçando de fato atirar no herói, mesmo que cercado por centenas, para que possa haver o "duelo final".

O fato é que, ao final da sessão, fica mesmo é a impressão de que alguém errou muito na concepção do projeto, que patina mais na auto-paródia involuntária do que numa tradição positiva do cinema de ficção e/ou ação.

Eduardo Valente