Jogo de Sedução
Matthew Parkhill, Dot the I, Inglaterra/Espanha, 2003

Durante a maior parte de sua metragem, Jogo de Sedução é uma variação de um clichê (o do triângulo sexual) sem nada acrescentar nesse terreno. Pelo contrário: enquanto as imagens desfilam na tela, não sem perder o rebolado, é inevitável questionar a razão daquilo. Não há, aparentemente, nenhuma. A sucessão de sequências não justifica em nenhum momento, nenhum mesmo, porque contar a história do sujeito vidrado pela moça comprometida, sem nada diferenciar-se do esperado. Engano nosso. Jogo de Sedução introduzirá em seu terço final uma surpresa que, aqui, não nos furtaremos de revelar para podermos avançar um pouco na análise.

Essa surpresa é o próprio tema do filme e, de certa forma, justifica o clichê no qual ele estava atolado. Que tema é esse? A busca de novos artifícios, ali extraídos dos "testes televisivos de fidelidade", para se buscar a imagem autêntica. Estamos em mais uma tentativa de se problematizar a diferença entre representação da verdade e verdade da representação. Na diegese do filme, verdade e representação, em última instância, são incompatíveis. Para se chegar à primeira, atenua-se a segunda, até escondendo a câmera (como em um documentário direto radicalizado).

As coisas se dão da seguinte forma: um ator brasileiro desempregado envolve-se com uma garçonete espanhola – noiva de um figurão americano, tudo isso em terras inglesas. Lá pelas tantas, quando o destino dos pombinhos parece selado, surge a tal supresa: o noivo da garçonete filmou várias situações dos amantes para usar em um filme. Ele (o amante) sabia da armação, ao menos parcialmente, e fez seu papel, ao menos parcialmente. Ela não sabia de nada. A operação do noivo-diretor, como colocado acima, é movida por meta artística: a busca de uma imagem autêntica, menos representada e mais verdadeira. Para chegar a esse patamar estético, chuta a ética para a lua.

Temos aí uma questão contemporânea, sobre o uso das imagens e sobre a moral da arte, que se sintoniza com a multiplicação das câmeras, hoje aplicadas em diversas funções: mediadora de relações íntimas (como vemos em Na Captura dos Friedmans), olho vigilante (como as de elevadores e lojas), diário de experiências (como vemos nos trechos captados no Iraque em Fahrenheint 11 de Setembro), registro de eventos históricos (como vimos no show de tomadas da queda do WTC) e invenção de personas públicas (como nos documentários de Eduardo Coutinho).

Jogo de Sedução, após a revelação de que o que víamos não era o "real autêntico", mas parcialmente encenado, ensaia um olhar crítico. Parece claro que, por caracterizar o diretor trambiqueiro como um monstro à beira da psicopatia, condena a esperteza. Roubar a imagem de alguém, sem esse alguém saber que está sendo filmado, é uma atitude errada, segundo o filme - simples assim. Coerente também. A operação do filme, afinal, é de outra natureza. Estamos em uma narrativa ficional, onde tudo é encenado, sem nada de reality-show. É natural então que, embora tematize a crise da representação e da dramaturgia, o filme tente responder a essa crise, no caso condenando-a por meio da ficção.

No entanto, surgem dois problemas. Um é de ordem ética - já que, embora pareça condenar a atitude do vilão, o filme a legitime. Isso porque o casal de heróis-vítimas, depois de terem suas imagens usadas sem consentimento, inclusive uma de sexo, acaba usufruindo do truque amoral. Conclui-se que moral, ao menos no processo de criação artística, é algo fora de questão. E isso está, de certa forma, na imagem. Os únicos momentos em que a instância narradora direta é transferida, do diretor do filme para os personagens, são aqueles com olhares subjetivos de quem capta imagens sem pedir licença, ou seja, do ator e do diretor do filme dentro do filme. É dado olhar aos ladrões de imagens, mas não a quem tem a sua roubada.

O outro problema é que, apesar de querer afirmar a ficção sobre o misto de reality-show e pegadinha Jogo de Sedução apenas expõe sua própria crise, e não a da dramaturgia, pois não há verdade alguma em sua representação. Seja por conta da fragilidade dos atores, seja pela palidez do roteiro, seja pela incapacidade da direção de saltar esses obstáculos, o filme torna-se mais interessante por alimentar uma discussão, sobre ele mesmo, mas não pela forma com que discute seu tema.

Cléber Eduardo