Pelé Eterno
Anibal Massaini Neto, Brasil, 2004

O bom momento de Pelé Eterno, o que fica na cabeça depois da sessão, é aquele em que os participantes de uma partida entre Santos e Juventus descrevem com suas memórias e palavras o gol mais bonito de Pelé. Esse gol, sem registro de qualquer espécie, é considerado uma obra de arte sem igual não apenas por todos os que o presenciaram, mas inclusive por seu autor, o próprio Pelé. Usando uma edição rápida, o filme vai pulando de um depoimento para outro, cada jogador contando e gesticulando um pedaço, tudo culminando no tal gol magnífico. O trecho foi elaborado de forma a deixar bem à mostra todo o entusiasmo dos entrevistados que, não importando para qual equipe estivessem jogando, aplaudiam cada um à sua maneira o grande feito do Rei do Futebol. Três balões na área, passando por dois zagueiros e um goleiro recriados com o uso da informática para dar uma idéia do que deve ter sido o gol de verdade. Exemplo do melhor tipo de documentário, capaz de retrabalhar informações e criar consenso sem imposições e que, infelizmente, não encontramos em mais nenhuma parte do filme.

O tom exageradamente elogioso presente em todos os momentos de Pelé Eterno não é tão problemático quanto a construção e a estruturação do seu roteiro. Talvez, apostando que o seu público seria composto por tipos menos afeitos a uma linguagem mais elaborada, ele opta por adotar uma narração absolutamente explicativa, sobreposta e redundante às imagens: um trabalho bem básico de comentário de fotos históricas e passagens filmadas das atuações de Pelé. Fazendo essa escolha, o filme fica parecendo um dos quadros de vida selvagem dos programas do SBT, com seu texto enfadonho e muitas vezes moralista. Para que tratar o Pelé com tantos dedos se ele é uma majestade? O filme de Massaini não sabe como mostrar uma vida rica, repleta de agitações típicas de um astro do futebol e acaba falando de passagens importantes com excesso de cuidados. E então, tudo, absolutamente tudo que o jogador veio a fazer, dentro ou fora de campo, é mostrado como uma coisa divina, inquestionável e digna de apreciação incondicional. Se Pelé compôs músicas duvidosas, se ele fez filmes caça-níqueis, se ele vendeu sua imagem para propagandas tudo não passa de mais um de seus gols. Até o seu envolvimento com várias mulheres (de maneira alguma condenável, sob o ponto de vista de um tratamento moral) representa, segundo Massaini, meros casos de "corações conquistados". A única explicação para tamanha falta de desenvoltura só pode ser o medo que Massaini deve ter de Pelé.

O medo que o diretor tem do público já aparece nas escolhas, à primeira vista sem muita importância, mas com intenções muito bem determinadas, de modificar o material de arquivo de modo a torná-lo simpático para a audiência. De acordo com Massaini essa audiência, adoradora das imagens movimentadas e sonorizadas da televisão, não aceitaria com muito boa-vontade um material em preto e branco, sem som e em muitos casos composto de fotos paradas. Então, querendo tornar tudo mais atraente e mais próximo da verdade das "imagens atuais", as imagens de Pelé Eterno ganham um tratamento que as deturpam. São fotos trabalhadas em computador, mosaicos de imagens montadas com visível despretensão estética, e trechos de filmagens antigas das torcidas que foram sonorizados. Os documentos de época perdem esse status, sendo manipulados como qualquer imagem de campeonato brasileiro de hoje em dia. Depois disso, o que resta para preservar?

Com esse filme Pelé perde o direito de pertencer a uma época. O balé de bolas virtuais da abertura do documentário e a música marcial – nem um sambinha, um chorinho sequer – jogam o glorioso Rei do Futebol em um limbo de memória difícil de se relacionar de alguma maneira com o que foi a vida do país quando ele ainda fazia seus gols. Mas, fenômeno, vemos o filme muito agradecidos. No meio de tanta lambança feita pelo diretor, somos forçados a ficar grudados na tela por causa de Pelé. Assim como os torcedores adversários torciam por ele e vibravam com suas jogadas arrasadoras, ficamos na sala de cinema admirados com a genialidade do jogador, que de maneira alguma está bem representada pelo filme. Pelé vale pelo futebol que jogava. Um futebol grande demais para ser compreendido por esse documentário de Massaini.

João Mors Cabral