Barton Fink - Delírios em Hollywood
de Joel & Ethan Coen, Barton Fink, EUA, 1991 (cor)


Ficha Técnica

Direção: Joel Coen (com Ethan Coen, mas sem crédito oficial). Produção: Ethan Coen, Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Joel Coen e Ethan Coen (creditados como Roderick Jaynes).


Texto de Apresentação

O cinema dos irmãos Coen é marcado pela construção de sistemas, sistemas de cinema. Isso fica transparente no fato de que, veja-se a filmografia como um mapa, seus filmes são geralmente filmes de gênero. Nem sempre um gênero só, e nem sempre gêneros habituais, mas sempre filmes que usam a maneira tradicional de se contar uma história em Hollywood segundo algumas regras tradicionais como uma fonte de inspiração. Em seus sistemas, um traço habitual: um personagem central que se vê desafiado por sua incapacidade de lidar justamente com o sistema. Sem jogo de palavras aqui. Não é uma luta (em princípio, embora, no fundo seja sempre) política. O sistema contra o qual um personagem dos Coen se bate é invariavelmente a própria construção do filme, construção essa que, como é de gênero, é alimentada por uma simplicidade elementar: os Coen são cineastas tipicamente americanos. Seu cinema, ousado, é johnfordiano, hitchcockiano (no que o britânico mais tem de americano), scorsesiano, ou seja, funciona dentro de dogmas narrativos estritos. Modernos, nem tão clássicos, mas nunca desconstrutivos (como um David Lynch, por exemplo). Nouvelle sim, mas nunca vague.

Até por isso (mais um motivo para se saltar novamente para a filmografia-mapa, que assume agora a função de laureagrafia), são diretores lotados de prêmios que apontam para esse comportamento típico. Em Cannes, viram uma espécie de totem da aceitação do cinema made in USA pelo mundo do cinema europeu, no Oscar, viram uma imagem de um cinema profundo e culto, mas cheio de bom humor. No fundo, os Coen são um pouco até onde Hollywood acha que pode ir sem deixar de ser Hollywood.

Barton Fink é a quintessência da construção de estrutura dos Coen: um filme sobre um roteirista que não consegue fazer um filme popular, em princípio porque é um escritor erudito. Mas não só por isso. Barton não consegue entender que existam regras de gênero. Para ele, a existência de um sistema em que se preenchem lacunas de um roteiro com um órfão excepcional de um lado, uma viúva indefesa do outro, um lutador de luta livre fazendo cara de mau no meio, é um desafio maior do que a leitura de qualquer clássico. A repetição seguida (outra coisa que ele não entende muito bem é o cinema, com suas regras de artificialidade industrial) da imagem do homem careca de colant que anuncia: "I will destroy him" enquanto move os braços de maneira quase circense soa como a prova da insanidade de um mundo que deveria ser perfeito, segundo seu olhar filtrado por óculos circulares.

Muito se falou sobre o problema de bloqueio narrativo dos próprios Coen na escrita de Ajuste Final, o que acabou criando Barton Fink. O filme seria o 8 ½ dos irmãos que se tornaram famosos por sua parceria quase simbiótica. Os dois escrevem, um produz, ou outro dirige. Mas ambos dirigem, ambos produzem, ambos editam. Tanto é que hoje os dois assinam a mise-em-scéne. Mas, visto de perto, o processo de esvaziamento do personagem Barton Fink não é diferente do da esperança quase weberiana de Norville Barnes com seu bambolê, do cinismo de Dude Lebowski ou da expressão de looser de Ed Crane, o homem que não estava lá. São todos elementos para opor esses personagens ao mundo como ele deve ser em torno deles, um mundo feito, e aí vem a grande curiosidade (e intelectualidade) do cinema dos Coen, com regras de cinema.

Pois bem, Barton é um teatrólogo de Nova York celebrado como o novo grande nome do cenário artístico da cidade. É 1941. Seu grande trunfo é o fato de que ele trabalha, em suas peças, com o cidadão comum, com a "verdade". Por conta do sucesso da peça, é contratado por um estúdio de Hollywood para fazer um filme. Ao lá chegar, o choque: o filme que ele vai fazer não é Cidadão Kane (que é de 1941, o que deixa bem claro do que os irmãos estão falando). Ele foi contratado para fazer um filme para o cidadão comum, aquele mesmo que ele conhece tão bem, já que elegeu como centro de sua dramaturgia. Barton se isola do mundo em quarto de hotel (mixuruca, claro, porque os grandes escritores sofrem para escrever) e mergulha na tarefa de escrever um filme de luta livre.

Daí para frente, o filme vira jogo de palavras. Visto de perto, Barton Fink é uma espécie de máquina de trocadilhos. Da idéia de liberar a mente à de cortar cabeças. Dos tipos que atravessam o caminho de Barton (um produtor de fala doentia, um chefe de estúdio megalômano, uma dupla arquetípica de investigadores) à relação com o romancista picareta e sua amante/secretária/ghost writer. E o maior deles é a própria posição de Barton: ambicioso intelectualmente, arrogante, não admite que o problema esteja em sua incompetência para entender seu objeto. Não, ele está acometido de uma febre de falta de criatividade.

E os elementos de gênero se sobrepõem como em outros filmes. Como o sistema do cinema de gângsteres é subvertido em Ajuste Final, assim como o western é a verdadeira fonte do drama em Arizona, Nunca Mais, assim como o filme de tribunal é a fonte de O Amor Custa Caro, assim também os traços de um filme noir começam a se sobrepor em uma estrutura de comédia, aquela em que o jogo entre protagonista, antagonista e objetivo são subvertidos.

Três falas são chaves para Barton Fink.

Duas são do personagem de John Goodman, Charlie Meadows, o vendedor de seguros, que depois é revelado como homicida decapitador. A primeira define o personagem Barton Fink: "Você nunca ouve!". De fato, Barton é surdo aos apelos da classe que jura defender. Faz pose de entender o povo, mas, no fundo, é um scoolar com ar superior. Eles só lhe importam como objeto estético, não como contraponto ético. Ele é o gênio, ele cria. Os outros são monstros. A segunda define a lógica do filme. Meadows (então já Mad Man Mundt), de metralhadora nas mãos, no corredor em chamas do hotel, várias vítimas decapitadas em seu currículo: "Olhe para mim! Eu vou lhe mostrar a vida da mente". É ele, que corta cabeças, que sabe como elas funcionam.

A terceira fala, talvez a melhor para dar conta de como o filme pensa, é dita pelo próprio Fink (cujo nome não deixa de ser um jogo de palavras também) diante da pergunta escandalosa do investigador sobre a relação entre ele e Meadows: "Sexo? Ele é um homem! Nós lutamos!". Duplo sentido é aquilo para o que as palavras servem.

Por isso mesmo, elas se prestam como ferramenta. E é só quando entende esse jogo, quando Meadows o faz entender que a cabeça pode ser levada em pacotes, supremo trocadilho do texto, que Barton é capaz de fazer sua luz. Cada palavra em seu lugar, como deve ser. Tão no seu lugar que, por algum motivo, ao ouvir, achamos a fala final do filme de Barton um tanto parecida com a que ouvimos no final da peça que abre o filme. Parecida nada. A fala é rigorosamente a mesma. Será que Barton escreve e escreverá para sempre a mesma obra?

Parece que sim, porque ele faz (agora apenas?) parte do sistema. Entrou "no quadro" ("em quadro"?), como a cena final parece gritar. Escravo da máquina de produção em série, ele não poderá filmar seu roteiro. Não poderá ser Orson Welles, não poderá mostrar ao mundo a vida da mente.

Alexandre Werneck


Citações


"A nossa maior inspiração para fazer filmes são livros. Não que os adaptemos (a frase foi dita antes da adaptação de Odisséia em E aí, meu Irmão, Cadê Você?). Eles são a base de nosso raciocínio. Um filme nosso pode ser inspirado em uma série de contos ou em um ensaio." (Ethan Coen)

"Não se pode definir Barton Fink como uma comédia, embora eu talvez o definisse como uma comédia de humor negro. Mas o filme tem elementos psicológicos que não cabem muito na definição clássica de uma comédia. Mas se você quiser definir mesmo o filme, acho que a melhor maneira de dizer é que ele parece um filme de Roman Polanski." (Ethan Coen)

"Psicologicamente, há alguma importância para nós nessa definição de papéis de que eu sou o diretor e o Ethan é o produtor, no sentido de demarcar que eu não quero trabalhar com outro produtor e ele não quer trabalhar com outro diretor." (Joel Coen)

"A história da caixa é mais como uma regra de gênero: não abra a caixa, não mostre o conteúdo da maleta etc." (Joel Coen).

"Recebemos uma carta da Sociedade Protetora de Animais ou coisa parecida. Eles tinha recebido uma cópia do roteiro e queriam saber como íamos tratar os mosquitos, se teríamos um dublê para eles. É sério." (Joel Coen).


Filmografia

1. Paris, je t'aime, FRA, 2005. (Projeto apenas anunciado de filme francês).

2. Matadores de Velhinha (The Ladykillers), EUA, 2004. (Prêmio do Júri no Festival de Cannes)

3. O Amor Custa Caro (Intolerable Cruelty), EUA, 2003.

4. O Homem que não Estava Lá (The Man Who Wasn't There), EUA, 2001. (Prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes, uma indicação ao Oscar, três ao Globo de Ouro e vários outros prêmios).

5. E aí, meu Irmão, Cadê Você? (O Brother, Where Are Thou?), EUA, 2000. (Exibido no Festival de Cannes, duas indicações ao Oscar, Globo de Ouro de melhor ator, além de duas outras indicações, e vários outros prêmios).

6. O Grande Lebowski (The Big Lebowski), EUA, 1998. (Exibido no Festival de Berlim).

7. Fargo (Idem), EUA, 1996. (Prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes, Oscars de atriz e roteiro e mais cinco indicações, quatro indicações ao Globo de Ouro e vários outros prêmios).

8. A Roda da Fortuna (The Hudsucker Proxy), EUA, 1994. (Exibido no Festival de Cannes)

9. Barton Fink – Delírios em Hollywood (Barton Fink), EUA, 1991. (Palma de Ouro e prêmios de melhor ator e diretor no Festival de Cannes, três indicações ao Oscar, uma ao Globo de Ouro e vários outros prêmios)

10. O Ajuste Final (Miller's Crossing), EUA, 1990.

11. Arizona, Nunca Mais (Raising Arizona), EUA, 1987.

12. Gosto de Sangue (Blood Simple), EUA, 1984. (Grande Prêmio do Júri, Sundance)