A MULHER DE TODOS (1969)
(trecho)

INTRODUÇÃO (letreiro México 1946)

1. ext dia jardim ou praia
Três planos fixos, rápidos, mudos – insólitos:
pick-up na praia (fixo) mão força braço arranhando o disco
alto-falante (fixo)

2. ext dia estrada
Câmera na mão sobe diante do pé de cangaceiro.

3. ext dia qualquer
Tipo enfia sarrafo na boca de homem ou mulher.
alto-falante – Três cangaceiros mataram hoje na via Dutra Mr. Welles, Mr. Lucas, Mr. Straub e Dr. Indefectível.

4. ext dia qualquer
Closes de cabeças sangradas, diferentes dos tipos mencionados

5. ext dia jardim
Boca de mulher (verticalmente)
Boca – hoje... meu desespero se chama...

AÇÃO (BRAZIL 1959)

6. ext dia rua S. Paulo
TRAV P/ frente: Flávio bate em Ângela (ele manca)
F – Sua vagabunda, não presta mesmo, sua cínica. Não vale nada...
A – E você? seu recalcado? aleijado recalcado!

(gritos; repetições)
F – Você não vale nada, corre atrás de tudo quanto é homem e não quero mais que você telefone para seu marido, cínica!
(ela está com filhos) (entra em moto com óculos)
Corre com as crianças. Pega táxi ou seu próprio carro, entrando rápido.

7. ext dia esquina
(crime inicial: pretexto p/ week-end dela transporte de jóias em contrabando. Ela vai pra S. Paulo)
Desde do táxi ou de seu carro. Johny Herbert a espera.
Trocam beijos doces. Ele sai da igreja (sinos batem)
Johny – Tudo bem, amor?
Ângela – E você, querido?
Johny – Não vou poder ir à praia contigo...

Johny agitado, falando e mexendo-se bastante
Johny – Não sou canista não... é que eu prometi um trabalho...
A – Péra que eu vou deixar as crianças com a babá (deixa-as no carro com chofer ou babá. provavelmente logo no início da seqüência)
Travelling os segue: namoram, aproximando-se de edifício.
Pan até placa de hotel.

8. int dia hotel ou apartamento (dependendo da produção)
tela escura. Vozes de amantes na escuridão, ruídos.
Acende a luz. Johny se veste rapidamente. Ela permanece seminua na cama.
A – Pressa, querido?
J – Tenho que sair correndo com essa história toda...
A – Péra que vou contigo, preciso telefonar pro meu marido!
J – Aquele boçal?
A – Não xinga o meu amorzinho... eu gosto dele também... você sabe...
J – Mas de quem você gosta mais...?
A – De você...

9. ext dia telefone público
Ângela fala com Jô. Pelo vidro faz sinal para Johny Herbert que se despede e entra em carro ou táxi. Profundidade de campo ou contra-plano.
A – Sou eu, meu amor... acabando de chegar da fazenda...
(olha na direção de Johny e, através do vidro, trocam o último beijo)
...Vim com Dona Glorinha, a professora de italiano, vou deixar ela em casa... saudades de você... claro... muitas...

10. ext dia fachada de prédio
PAN vertical na mão, muito rápida – terminando em tempo morto.
câmera se afasta ou avança. O big boss ao telefone, cercado de duas ou três mulheres (exagerado) com café e bebidas.
Jô – também, morrendo de saudades mas não posso largar esse negócio assim... (malicioso) preciso faturar, claro... (muda de tom) você parece que não gosta mais de mim, está me traindo por acaso? (rindo) pra mim é impossível imaginar... sem você largava uma bomba aqui, não queria nem ver a cara de uns banqueiros suíços, só para te ver... Não, não posso, Ângela: antes de domingo é impossível eu sair de São Paulo. Te encontro na praia... sim, claro; ah, meu bem, fui obrigado a convidar um funcionário aqui do escritório, simpático, acho que você conhece, o Armando... aquele alto que quase tirou o campeonato de tênis no ano passado... só assim arrumo um parceiro para emagrecer uns cinco quilos; acho que você se lembra, péra que ele está chegando agora.
Uma porta abre: é Johny que entra rindo, saudado pelos companheiros.
Cumprimenta Jô...
Jô – Você já conhece minha mulher, não?
J – Devo conhecer
Jô – E as raquetes, está levando...? ciao... Não se esquece das minhas bolas... de levar meus balões, querida... outro.
Funcionários entram pelo escritório, efusivos, com flores.
Cantam "Parabéns a você".
Jô, lisonjeado, recebe beijo da secretária. Um beijão de uma secretária exuberante.
Jô (excitado) – Pode liberar todo mundo... não quero ver ninguém trabalhando no dia do meu aniversário... menos o Renatão que eu preciso falar com ele.
corte
Dentro do elevador do edifício, Jô se afasta de funcionários e se aproxima de Renatão
Jô – Preciso te instruir, um negócio. Um trabalhinho, Renatão...
R (silencioso, o ouve)
Jô – Mas dessa vez é delicado... mulher
Renato – Legal...
Jô – Só que é a minha mulher...
Renato (ouve) – Ah...
saem ambos do elevador. Câmera idem.
Num canto, Jô dá dinheiro e pistola cano longo ao Tipo
Jô – Dessa vez capricha... Não me mata ninguém, Polenguinho. Não tem desculpa (ao ouvido do outro) Sem essa.
Renatão – Ia me esquecendo: feliz aniversário, patrão...
corte.

11. ext dia posto de gasolina ou praça (beijos)
Traveling acompanha Ângela que fala o tempo todo; depois de ter pago conta de gasolina. No carro está Johny sentado, lendo gibi e rasgando folhas à medida que as lê.
Johny – Queria ou não queria vir?
A – Queria...
J – Então por quê? Capaz de ter desconfiando...
A – Imagine! Falou em encher balões! (muda o tom) Você trouxe o balão que eu te disse?
(J abre porta malas do carro)
(repleto de balões vazios)
J (ao mesmo tempo, entrando no carro) – Me desculpe, Ângela, mas teu marido é um boçal... só pode ser um boçal...
A – Não fale assim de Plirtz... não sei se você entende... no fundo você é crianção imaturo... mas eu sinto por Plirtz uma sensação... sei lá... eu preciso tanto dele como de você... Nunca menti na minha vida, Armando, você sabe; quero que você me acredite: sou sincera contigo, com ele, com todo mundo.
J – Só com muito amor para agüentar aquele gordo feio...
A – Feio mas é seu patrão...
J – Por enquanto. Pára o carro.
(traveling de anônimo de carro que faz sinal: pneu furado)
J – O pneu está furado.
corte: passagem de tempo
Johny termina de consertar pneu. abre porta malas. Balões (vazios ou cheios) saem e flutuam. Do fundo ele vê a perna estendida de Ângela. Situação romântica. Bruscamente, ele a carrega. Amam-se nas imediações da estrada vazia do litoral paulista.
os balões. um estoura.
Amam-se
música
câmera se afasta.
(podem namorar e bejiar no carro. litoral. praias. chegando à casa de Jô)

Rogério Sganzerla