Monster - Desejo Assassino
Patty Jenkins, Monster, EUA, 2003

Um prólogo narrado pela protagonista já se incumbe de explicar as razões de seus tormentos: ela sonhava em ser atriz na infância, uma nova Marilyn Monroe, mas, no decorrer dos anos, carente da celebridade nunca obtida, e do consequente conforto material, torna-se prostituta. Em alguns segundos, conhecemos a bula. Todo o transcorrer da narrativa apenas irá confirmar esse diagnóstico: o da criança moldada pelo aborto de um sonho, sonho esse por sua vez moldado pela lógica de uma sociedade (a fama, a riqueza). Nossa sofrida heróina, quando adulta, vive dois movimentos: conhece o amor ao contato com uma lésbica reprimida (pela religião e pela família) e mata seus clientes para se vingar de seu meio (que a produziu).

Conclusão: o mundo é injusto e embrutecedor, os homens são monstros em potencial, o amor é inviabilizado nessas condições. Não há lugar para nossa heróina. E o filme constrói-se o tempo inteiro para justificar seus assassinatos e culpar todos ao redor por ela ser como ela é. Todos: um policial, os clientes, a namorada, as taras do humano e suas fraquezas. Só ela merece redenção, ninguém mais, nem mesmo a platéia. Não por acaso, quando caminha no corredor da morte, ela olha para trás; na verdade, para a câmera, para os espectadores. Somos todos culpados pela transformação do sonho da menina em um pesadelo para a sociedade.

O fato de ser baseado em caso real, como nos informa o letreiro ao final, apenas ressalta o teor de diagnóstico. A criminosa não constitui ali um caso isolado, uma personagem específica, um tipo com complexidades psicológicas, mas uma produção social mais ampla. Só assim pode-se legitimar sua reação. É auto-defesa, digamos assim. Para não ficar dúvidas, os clientes (com uma exceção) são transformados em réus (para o filme). Há o sádico capaz de matá-la, o gordo patético com ejaculação precoce, o policial escroto e o outro já aposentado com esposa doente. Todos são expostos a algum tipo de condenação pela câmera. A sociedade é opressora. Não dá um emprego quando a heroína procura - embora nada tenha a oferecer, como mão de obra, e não tem como competir com concorrentes. A opressão está em todo canto.

Daí a decisão de se mostrar também cenas da namorada da heróina com sua família: outro tipo de opressão, essa de ordem moral. No final, nem mesmo o amor da parceira resiste ao mundo. Para se safar, ela dá as costas, cai fora, lava as mãos. Dramaticamente, portanto, há indução à compaixão, em um primeiro momento, e depois ao entendimento. Haveria algo de brechtiano nessa tentativa de nos fazer ver a personagem como resultado de seu meio? Pobre Brecht. Até porque essa lógica implicaria relativizar outros personagens em vez de reduzi-los a vilões. Ou a justificativa para atitudes serve apenas para uns?

Visualmente, impera a pobreza. O único refresco é uma outra fusão de imagens, algo típico de quem arma o plano de forma burocrática e, na hora de montar, lança mão de expedientes para distrair os olhos. Teríamos para enchê-los, ou perturbá-los, o caso de Charlize Theron, premiada com o Oscar. Atriz de evidentes encantos, foi enfeiada para o filme: ganhou uns quilos e perdeu a sobrancelha. Cabe um comentário que, nos levando a sair parcialmente do filme, questiona citérios de avaliações, mas apenas para voltar ao filme. Parece nítido que a transformação física, e nada além dela, foi suficiente para garantir o Oscar. Os eleitores da Academia de Hollywood, afinal, são devotos dessa mutação visual. Bom ator para eles é aquele que, em nome da arte e do profissionalismo (mais do profissionalismo que propriamente da arte), coloca a vaidade no estômago. Basta engordar ou emagrecer, carregar o rosto de maquiagem (ou dispensá-la) para enfeiá-lo, para perder o glamour. Esqueçamos quem é Charlize, sua beleza fora do papel, sua mudança de aparência. Não sobra nada. Na verdade, sobra: gestos caricatos, pose postiça de mulher máscula, falta de verdade. Vemos o esforço da interpretação sem que esse processo seja auto-referencial. É limite mesmo.

Cléber Eduardo