Bem-Vindo à Selva
Peter Berg, The Rundown, EUA, 2003

Para a maioria das pessoas que lêem sobre cinema, ainda parece um ato quase misericordioso sair de casa com fortes expectativas para se ver um filme de ação completamente comercial – ainda mais quando não se trata de um caso especial, seja por remexer no cinema (As Panteras Detonando) ou seja pela política engajada (Exterminador do Futuro 3). Bem Vindo à Selva é nada mais que um exercício em estilo nos filmes de ação, daqueles que se auto-recicla, com um bom senso de humor. O cinema é um caldeirão, e certos cineastas sabem tirar proveito disto. Neste aspecto pode-se dizer que aguardava que desse caldo viesse algo bastante interessante. O interesse veio, em escala menor.

Um detalhe brilhante abre o filme de Peter Berg: numa ponta, enquanto The Rock adentra uma boate movimentada, Arnold Shwarzenegger (como se passasse um cetro mas ao mesmo tempo principalmente abrisse todo o filme para o espectador) surge andando na direção da câmera, dispara um "have fun", e logo desaparece, sem influenciar em nada na narrativa que começa a se desenrolar. Momento brilhante na maneira como é conduzido, e que com extrema perfeição estabelece o terreno que estaremos habitando. Esqueça os limites, parece urrar o filme. Poucos minutos depois, The Rock enfrentará um time inteiro de futebol americano no ‘braço’, e como não poderia deixar de ser, lhes põe no chão.

A trama do filme de Berg é simples e direta, mas será perfeita para atrair o mais completo conjunto de personagens absurdos, em situações absurdas. The Rock vai para Amazônia cumprir um último serviço à seu chefe para que enfim possa se aposentar e abrir um restaurante: resgatar o filho dele (Seann William Scott), que se emaranhou na selva amazônica atrás de preciosidades antigas (!). Por lá, juntam-se à trama Christopher Walken como o americano que lucra as custas do trabalho escravo dos nativos, e uma garçonete brasileira (Rosario Dawson) com segundas intenções. Há também uma antigüidade, aparentemente entitulada "o gato negro", a qual os personagens saíram à caça, por razões adversas. Não há como deixar de lembrar da frase de Shwarzenegger a cada novo elemento a adentrar a cena – poucas vezes um filme se auto-definiu tão sinceramente nos primeiros instantes de projeção.

Logo após embarcar em sua viagem, The Rock começa sua jornada conhecendo um piloto escocês excêntrico que pilota um avião colado com fita isolante (!). Será um prenúncio para o humor que irá povoar o resto do filme: macacos africanos – isso mesmo – raivosos e pouco gentis, uma fruta que dopa bizarramente as pessoas, pequenos animais marinhos tarados por membros sexuais e atraídos pela urina (o resultado é o castramento!), nativos falando um português perfeito que o filme não faz questão alguma de esconder tratar-se de uma dublagem vagabunda, e por aí vai. Podem parecer artifícios baratos para uma diversão fácil, e não o deixam de ser – é a maneira como são conduzidas que levam o filme a ter algum êxito na proposta, sendo essa algo bastante leve. É um filme cafajeste, de uma forma bastante sincera.

Esse caldeirão do absurdo não poderia terminar de outra maneira: em revolução. Um olhar mais exigente poderia pedir um tratamento mais engajado de tal assunto – o filme não esconde a importância política do ato, mas pura e simplesmente interessa muito mais a Berg tirar pequenos elementos, seja na forma, seja na relação dos personagens em cena, ou como brincar com pequenos dispositivos do cinema de gênero. É necessário sempre voltar a cena inicial, que prenuncia o que viria adiante: quem naquele momento não se apega com algum interesse, certamente calhará de chegar entediado até aqui. Há algumas cenas muito bem pensadas de ação, e é difícil não notar o curioso fato, cada vez mais raro no cinema de ação americano, de se buscar o estilo em algo menos notadamente espalhafatoso – a ação aqui é bastante clássica, sem que soe velha.

Que Peter Berg poderia ir adiante com o material que tem em mãos, muitos já nos provaram – dentro de um exercício de gênero com bastante semelhanças ao exercido em Bem Vindo à Selva, F. Gary Gray fez dois belos filmes recentemente – mas também já se viu diversos artesãos fracos transformarem suas obras em fiascos. Longe disso, Berg sai com um filme limitado, mas funcional, e absurdo da melhor maneira possível.


Guilherme Martins