Onde Anda Você
Sérgio Rezende, Brasil, 2004

Triste fim o de Sérgio Rezende. Num determinado momento da década de 90, o realizador ocupou um espaço central na produção do país, transformando-se com Guerra de Canudos e Mauá numa espécie de "cineasta oficial do regime", com roteiros históricos grandiosos, superproduções, elogio à entrada do capital externo (Mauá) e à sede individualista desligada de crenças "xiitas" (Claudia Abreu em Canudos). Mesmo que esses filmes sejam exercícios muito pouco interessantes como cinema, existia neles o mui relevante papel de sintoma de uma época, de posição e ideologia num determinado momento histórico e político do Brasil. Hoje, trata-se muito menos de uma mudança de regime político – que, afinal, ainda não aconteceu – do que da entrada de Rezende numa espécie de estado geral de afasia de uma grande parte do cinema brasileiro. Por mais que tentemos valorizar Onde Anda Você como a melancólica procura de um tempo perdido (premissa narrativa) ou como a imersão num universo onírico que teria em Fellini seu referente principal (premissa estética), alguma coisa é insuficiente na proposta e na argumentação. Pois aquilo que é intenção jamais consegue se substancializar como matéria fílmica na tela. Quando falamos de afasia, é no significado literal: "perda da compreensão e do uso dos diferentes símbolos falados ou escritos, através dos quais o homem se comunica com seus semelhantes" (Larousse). Não que seja impossível compreender os códigos de significação do filme, sempre óbvios e patentes na tela; a afasia aqui é antes dirigida ao sentido geral da obra, e à lógica de recepção (de público, pois) que o filme condiciona (mas do qual também é vítima, em parte). Onde Anda Você se inscreve numa longa série de filmes produzidos nos últimos anos que não dizem nada a ninguém, que conjugam ineficiência em comunicar com algo muito pior: desmotivação completa em investir sentido naquilo que se produz.

Ineficiência em comunicar: existem diversos "erros" em Onde Anda Você, desde a quebra desnecessária do eixo de 180º, quebrando a continuidade lógica da cena, até a interpretação paupérrima de certos atores, passando por personagens desnecessários e sem dúvida por uma completa falta de jeito com a comédia e com o humor (em se tratando de um filme sobre um comediante perdido, a falta de graça das piadas faz do filme uma metáfora involuntária e de ratificação do próprio argumento). Façamos abstração aqui do parco tato e atenção para com a mise-en-scène cinematográfica, pois além de ser uma constante na obra de Sérgio Rezende, trata-se de algo muito difícil de se prestar conta com dois ou três exemplos escritos, sem acesso direto à imagem ou sem minuciosas descrições de cenas, o que aqui não é questão de fazer (além, claro, da fastidiosa e irritante querela que quer que cada observação crítica seja apenas o registro de uma opinião sobjetiva que tem muito pouco a acrescentar à compreensão da obra, sendo mais produto do "gosto" do escrevinhador do que qualquer outra coisa). Desmotivação em investir sentido: mesmo que a afasia se instale no cerne temático do filme (trata-se de procurar, para restituir riso ao mundo, um comediante promissor que teria desaparecido há muitos anos e que poderia ser responsável pela ressurreição de uma memorável dupla cômica que se acabou com o falecimento de um deles), Onde Anda Você parece mais padecer da ausência de qualquer sentido do que se apoiar nela para construir alguma coisa. Nenhuma força em contar uma história, em investir uma problemática, em criar visualidade. Há filmes que podemos odiar por sua insuficiência e por sua visão de mundo – como 1,99 e Mater Dei –, mas ao menos concedemos que há algo neles que quer existir, ao passo que em Onde Anda Você é mais um sentimento de irrelevância que surge da completa falta de propósito que vemos materializada na tela a cada cena mal construída, a cada plano estilisticamente desajeitado, a cada piada sem graça, a cada cena sofrivelmente atuada.

Uma das possibilidades temáticas do filme é o conflito de gerações e a possível transmissão de saberes que pode ser feita reciprocamente de uma pra outra (o comediante velho vai viajar à procura de seu sonho com um videomaker imberbe). A hipotética transmissão – que jamais vemos de forma convincente na tela – jamais perspectiva os sonhos de nenhum dos dois: ficam eles, os dois, imersos em seus próprios mundos, aproximados pela rota comum mas ainda mônadas irredutíveis a qualquer mistura. E sem mistura não há transmissão. Assim o espectador diante do filme: talvez Onde Anda Você queira dizer alguma coisa, mas esta coisa ficará para sempre do outro lado da tela.

Ruy Gardnier