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                         Até onde pode sobreviver 
                          um cineasta por sua pura referência enquanto mito? 
                          Ou a questão deveria ser: ele se pensar um cineasta 
                          através de sua mitologia? Dono de um estilo único 
                           nos mais minuciosos detalhes  Tobe Hooper acabou 
                          se tornando reflexo da própria obra. Nada comercial, 
                          Hooper sempre foi um cineasta de mão eximiamente 
                          pesada, sem um mínimo de controle de si. Assim 
                          se fez, fosse nas farsas como Pague Para Entrar, 
                          Reze Para Sair, fosse no clássico dos absurdos 
                          políticos Força Sinistra ou em 
                          seu clássico-mor O Massacre da Serra Elétrica. 
                          Um autor do caos cinematográfico, Hooper se tornou 
                          tão irregular quanto difícil. Seu mito 
                          permanece ativo, especialmente na polêmica sem 
                          fim (pois nula e sem resposta) sobre sua autoria em 
                          Poltergeist. Mas poucas luzes se jogaram sobre 
                          o trabalho recente do cineasta, que aos poucos foi se 
                          acostumando por demais com as sombras. Seu antecessor 
                          à Noites de Terror, Crocodilo, 
                          um filme-clichê sobre um jacaré gigante 
                          que come adolescentes que esconderam seus ovos parecia 
                          o fim do poço, tanto da falta de criatividade, 
                          quanto da incapacidade de se tirar com algum talento 
                          (salve uma seqüência ou outra) algo do filme 
                          - um filme preguiçoso, acima de tudo. Talvez 
                          more aí a grande questão que assombra 
                          este seu novo rebento: teria Hooper demorado a deixar 
                          a preguiça de lado para notar as nuances perfeitas 
                          a sua volta? 
                           
                          Em alguns aspectos Noites de Terror lembra um 
                          bocado o último filme de Dario Argento a chegar 
                          no Brasil, Sleepless. Embora um cineasta bem 
                          menor que Argento, Hooper também é um 
                          cineasta de uma geração bem diferente 
                          da atual safra de cineastas do gênero, e há 
                          um tanto hostilidade quanto ao trabalho destes. O filme 
                          não por coincidência é passado em 
                          Hollywood, num hotel onde supostamente estrelas em ascensão 
                          se hospedariam (e que está caindo aos pedaços). 
                          No entanto se vai aos poucos adentrando um universo 
                          bastante particular, de uma atmosfera pesada e fotografia 
                          com tons nebulosos. O assassino de máscara, e 
                          que tem requintes de matar das formas mais variadas, 
                          será aqui um fantasma do passado. Longe de um 
                          filme derrotista sobre uma geração que 
                          não volta, Hooper vai aos poucos, através 
                          de um roteiro limitado mas eficiente, construindo um 
                          olhar otimista sobre o que ainda pode ser feito - a 
                          desconstrução daquela fortaleza. 
                           
                          Um casal que nada quer com cinema se muda para Hollywood, 
                          e vai morar num prédio que está atualmente 
                          caindo aos pedaços, onde estrelas em ascensão 
                          deveriam se hospedar. Ali tudo parece à um triz 
                          de se quebrar  sejam as pessoas, sejam as luzes, sejam 
                          os elevadores e máquinas. As paredes parecem 
                          feitas de papelão de tão artificiais  
                          se escuta o que se diz em alto e bom som em toda vizinhança. 
                          Nossa protagonista, uma professora desempregada e geralmente 
                          sofrendo com a ausência de seu jovem marido, sempre 
                          em plantão médico, sofre um rápido 
                          choque com a desumanidade local. Restará a ela 
                          entender as rédeas daquele prédio que 
                          parece querer ruir e ir levando todas as pessoas que 
                          ali estão. Aos poucos, enquanto investiga as 
                          fontes originais que levaram o prédio até 
                          ali, que envolviam estranha arquitetura e o desaparecimento 
                          de apartamentos, tudo à sua volta passa a ganhar 
                          mais vida, tal qual a intensidade de seu temor. 
                           
                          Hooper demonstra ainda saber manipular o gênero, 
                          transformando os maiores clichês em seus grandes 
                          trunfos. A subversão não será desprovida 
                          de algum respeito pelo pré-estabelecido. Mas, 
                          se este não chega a se tornar um grande filme, 
                          permanece um mistério: teria Hooper se acostumado 
                          a preguiça? Afastado de projetos com um material 
                          mais interessante há mais de uma década, 
                          Hooper parece sempre acomodado demais. Parece estar 
                          sempre oscilando durante o filme em notar o valor forte 
                          do que realiza com momentos em que parece tocar o filme 
                          com a barriga. Alguém poderia dizer que seria 
                          uma volta de Hooper as raízes (uma protagonista 
                          feminina forte como Marilyn Burns no Massacre 
                          e Mathilda May em Força Sinistra), mas 
                          um olhar cuidadoso pode notar que estes instintos mais 
                          pessoais nunca foram abandonados pelo cineasta. Ele 
                          só se acomodou com a idéia de ser mais 
                          mito que cinema. 
                           
                          Não se pode passar por cima dos problemas do 
                          filme, onipresentes em muitos momentos. A fotografia 
                          que parece exagerada em mostrar-se bem trabalhada  
                          possivelmente rebento do tradicional peso de Hooper 
                          na forma  e que, embora funcione em alguns momentos, 
                          permanece como presença incômoda em quase 
                          todo o filme. Alguns esquematismos aos quais Hooper 
                          se rende em alguns momentos  seja por limitações 
                          do roteiro, seja pela mencionada preguiça do 
                          cineasta  acabam por fazer escorregar belos momentos. 
                          Noites de Terror não deixa de ser um filme-problema. 
                          Sua mise-en-scène parece torta, se auto-questionando, 
                          buscando encontrar os problemas presentes em sua própria 
                          presença enquanto mediadora de um espaço. 
                          Sua problematização daquela dramaturgia 
                          específica, ao ir transformando seus personagens 
                          em seres humanos enquanto cresce o medo, parece em alguns 
                          momentos oscilar em ir contra o próprio autor. 
                          A idéia, no entanto, é de uma grande força. 
                           
                          Em um último ponto de extremo interesse, o retorno 
                          ao prédio em ruínas, a fortaleza-hollywood 
                          que não mais se sustenta. Os clichês que 
                          não mais conseguem se reciclar sem caírem 
                          no ridículo. Hooper parece cansado (ele mesmo 
                          fez alguns destes filmes na década de 90, e reconhece 
                          isso). O personagem de um velho que mora há mais 
                          de sessenta anos no prédio e parece conhecer 
                          mais dali do que qualquer outra pessoa, reflete em um 
                          belo momento: o problema não é o que vem 
                          de fora, mas o que já está lá dentro. 
                          Aquele fantasma que atravessou gerações 
                          sobrevivendo das mortes alheias entre as paredes do 
                          hotel, pode enfim ser confrontado (mesmo que isso acabe 
                          custando a vida de muita gente). Ao fim fica uma dúvida 
                          tenebrosa e pertinente, numa clara referência 
                          (relembrando o que com certeza foi um dos grandes pontos 
                          altos do cinema de horror americano em sua história) 
                          à Halloween, ao observarem a janela onde 
                          deveriam avistar o corpo estatelado do fantasma, vêem 
                          apenas o nada. O futuro permanece assombrado e duvidoso. 
                          Hooper não têm resposta para ele.  
                           
                           
                            
                          Guilherme Martins 
                          
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