Como se Fosse a Primeira Vez
Peter Segal, 50 first dates, EUA, 2004

É muito fácil encontrar problemas em Como se Fosse a Primeira Vez: desde o começo, com um cenário de comercial de chinelos (o filme foi rodado no Hawaii), até o desenrolar um tanto simplista e esquemático dos personagens - passando por uma trilha que apesar de poucos acertos (Paul McCartney, Beach Boys) é repleta de regravações de hits do passado que variam do medíocre ao medonho. Fica complicado se envolver ouvindo tanto lixo fonográfico. O filme promete, ainda, enveredar pelo mais hediondo caminho da manipulação de um personagem. No entanto, ao final da projeção, é difícil não se estar sorrindo; simplesmente porque o filme, afinal das contas, é sobre a busca da felicidade e, conseqüentemente, da vida.

Harry (Adam Sandler) é um veterinário que sempre se envolve com turistas, para não criar vínculos. Apaixona-se à primeira vista por Lucy (Drew Barrymore), uma garota que, após um acidente, sofre da impossibilidade de se lembrar de acontecimentos recentes. Como em Feitiço do Tempo, ela está presa a um dia, o dia do acidente quase fatal. Só que, ao contrário do filme de Harold Ramis, não pertence a ela o poder de se livrar dessa prisão. Pai e irmão constróem uma vida de mentira para que ela não perceba o que lhe aconteceu - e é aí que o filme ameaça se transformar numa imensa sacanagem com sua personagem. Mas o filme de Segal vai para outro lado, e o que parecia sadismo torna-se uma simpática jornada pela conquista amorosa de Drew Barrymore, captada por uma lente que faz justiça a seu sorriso.

E que sorriso. Em sua primeira aparição, tomando café na lanchonete de todos os dias, quando ela sorri pela primeira vez para Harry, a luz se faz e temos a notória impressão de que o filme é dela - uma estrela filmada pela primeira vez (porque fica difícil lembrar de um filme que tenha captado aquele primeiro sorriso). Logo depois descobrimos, junto com Harry, o problema que ele tem que enfrentar se quiser amá-la. Ele quer, justo ele, tão avesso a compromissos, e para isso tenta desmontar o esquema de mentiras montado pelo pai. Tudo se inverte, e Segal faz com que o espectador sofra com Harry, destinado a reconquistar sua amada a cada dia. Após a primeira noite de sexo, após inúmeros primeiros beijos, temos o momento chave do filme, aquele que nos diz com todas as letras como devemos encará-lo: quando a câmera começa a descer pela janela, indo de encontro ao casal dormindo numa manhã ensolarada, percebemos como o filme dá conta da tristeza de Harry. O simples movimento de câmera nos leva a essa constatação, saindo da luz que vem da manhã, partindo para a quase penumbra do lençol. No despertar, o horror de ter na sua cama um estranho. Ou, sob o ponto de vista adotado por Segal (e por qualquer outro homem), o horror de se tornar um estranho. Este é um movimento que vale muitos filmes, e que mostra a capacidade de Segal, realizador anteriormente mediano mas que sempre teve seus momentos (seja no besteirol da série Corra que a Polícia Vem Aí, seja na angustiante comédia Tratamento de Choque): um artesão que escondia suas habilidades.

O filme é muito triste (apesar de não parecer) mas nem por isso se perde em choramingos com a dureza da vida - vai atrás da sua felicidade, e para isso deve-se notar o uso perfeito da música dos Beach Boys, "Wouldn’t it Be Nice". A grande sacada foi perceber o quanto as canções do grupo são tristes, apesar de terem sido criadas debaixo do sol da Califórnia, com vista para o mar, e de suas melodias assobiáveis. A canção cabe perfeitamente como tema do casal: uma busca por algo que não se tem, mas que parece possível. Dessa busca, apesar dos inúmeros e inevitáveis acidentes de percurso, nasce um filme pulsante e agradável de se ver.

Sérgio Alpendre