Quase
no final de Na Companhia do Medo, uma das personagens
fala para outro: "Não procure explicações
plausíveis" – se referindo ao subtexto sobrenatural
da trama do filme. No entanto, procurar explicações
para tudo é o que o filme de Mathieu Kassovitz
faz, o tempo todo, e este é o principal defeito
que o torna extremamente chato e previsível.
Como se não bastasse sua filiação
à escola O Chamado do filme de horror
que investe mais na busca de explicações
do que em clima e medo de fato, Na Companhia do Medo
sofre de um agravante: seus personagens principais são
todos psiquiatras.
Ou seja, não bastasse a tendência psicologizante
e emburrecedora da maior parte do cinemão narrativo
(onde todo ato de cada personagem tem uma motivação
clara e lógica), neste aqui ela é levada
ao extremo. Na verdade, há um certo momento em
que parece, inclusive, que Kassovitz está criando
uma grande ironia com as figuras dos psicólogos
no cinema, quando o personagem de Robert Downey Jr.
usa todo tipo de clichês para tentar explicar
pelo que passa Halle Berry – e está redondamente
enganado em cada chute que dá. No entanto, o
filme em si renega esta hipótese irônica
o tempo inteiro, culminando com o bizarro diálogo
no final, entre Berry e um dos criminosos do filme,
dentro de uma cela – quase uma sessão de análise
"for dummies".
Para além do tatibitate insuportável sobre
motivações (ah, a psicologia dos fantasmas...),
o filme sofre de uma incrível falta de clima
da parte de Kassovitz e seu diretor de fotografia –
que parecem convencidos de que luzes piscando resolvem
tudo no que se refere a "presenças sobrenaturais".
O filme não nos prende um segundo junto a algum
dos seus personagens, e faz uma diferenciação
absolutamente banal dos registros do sonho e da realidade,
do passado e do presente – único possível
campo onde alguma confusão poderia nos tornar
levemente interessados na trama tão toscamente
desenvolvida. O que é uma pena, especialmente
depois da sequência de abertura onde a filmagem
de Kassovitz parece um subproduto do logotipo da empresa
produtora (a Dark Castle), deixando um gostinho na boca
de um filme quadrinístico filiado ao velho cinema
de horror dos castelos perdidos em montanhas em noites
chuvosas. Mas daí por diante o diretor parece
tão entediado quanto nós, geralmente tentando
curar seu tédio com enquadramentos esdrúxulos
desnecessários e distrativos (para quê
tantas câmeras de baixo??) ou construindo os mais
banais sustos do cinema de horror (bichos que voam em
ambientes escuros, trovões e aparições
em momentos absolutamente esperados, etc).
Um equívoco de cabo a rabo, Na Companhia do
Medo está fadado ao esquecimento – e marca
triste migração de Kassovitz da França
para o cinemão de gênero americano, não
dominado.
Eduardo Valente
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