NA COMPANHIA DO MEDO
Mathieu Kassovitz, Gothika, EUA, 2003

Quase no final de Na Companhia do Medo, uma das personagens fala para outro: "Não procure explicações plausíveis" – se referindo ao subtexto sobrenatural da trama do filme. No entanto, procurar explicações para tudo é o que o filme de Mathieu Kassovitz faz, o tempo todo, e este é o principal defeito que o torna extremamente chato e previsível. Como se não bastasse sua filiação à escola O Chamado do filme de horror que investe mais na busca de explicações do que em clima e medo de fato, Na Companhia do Medo sofre de um agravante: seus personagens principais são todos psiquiatras.

Ou seja, não bastasse a tendência psicologizante e emburrecedora da maior parte do cinemão narrativo (onde todo ato de cada personagem tem uma motivação clara e lógica), neste aqui ela é levada ao extremo. Na verdade, há um certo momento em que parece, inclusive, que Kassovitz está criando uma grande ironia com as figuras dos psicólogos no cinema, quando o personagem de Robert Downey Jr. usa todo tipo de clichês para tentar explicar pelo que passa Halle Berry – e está redondamente enganado em cada chute que dá. No entanto, o filme em si renega esta hipótese irônica o tempo inteiro, culminando com o bizarro diálogo no final, entre Berry e um dos criminosos do filme, dentro de uma cela – quase uma sessão de análise "for dummies".

Para além do tatibitate insuportável sobre motivações (ah, a psicologia dos fantasmas...), o filme sofre de uma incrível falta de clima da parte de Kassovitz e seu diretor de fotografia – que parecem convencidos de que luzes piscando resolvem tudo no que se refere a "presenças sobrenaturais". O filme não nos prende um segundo junto a algum dos seus personagens, e faz uma diferenciação absolutamente banal dos registros do sonho e da realidade, do passado e do presente – único possível campo onde alguma confusão poderia nos tornar levemente interessados na trama tão toscamente desenvolvida. O que é uma pena, especialmente depois da sequência de abertura onde a filmagem de Kassovitz parece um subproduto do logotipo da empresa produtora (a Dark Castle), deixando um gostinho na boca de um filme quadrinístico filiado ao velho cinema de horror dos castelos perdidos em montanhas em noites chuvosas. Mas daí por diante o diretor parece tão entediado quanto nós, geralmente tentando curar seu tédio com enquadramentos esdrúxulos desnecessários e distrativos (para quê tantas câmeras de baixo??) ou construindo os mais banais sustos do cinema de horror (bichos que voam em ambientes escuros, trovões e aparições em momentos absolutamente esperados, etc).

Um equívoco de cabo a rabo, Na Companhia do Medo está fadado ao esquecimento – e marca triste migração de Kassovitz da França para o cinemão de gênero americano, não dominado.


Eduardo Valente