Caçado, de William Friedkin

The Hunted , EUA, 2003

 

Domar o ambiente

Conta a história que a famosa perseguição de carros de Operação França foi criada quando William Friedkin, olhando locações, percebeu que poderia filmar um carro perseguindo o metrô ali. A anedota é significativa dentro do contexto da obra deste cineasta, porque em Friedkin o lugar sempre precede a ação e os personagens. O herói de Friedkin é sempre aquele que aprende a usar isto em seu proveito; o homem que doma o ambiente. Podemos dizer que se trata mesmo de um cinema de ambientação, onde o que está em jogo é tentar tirar o máximo possível dos espaços onde a ação ocorrerá. Assim será nos melhores filmes de Friedkin (Operação França, Sorcerer, Viver e Morrer em Los Angeles), o mesmo para este Caçado.

Dito isso, não há grande espaço no cinema de Friedkin para narrativa ou para construção de personagem. O que há de história em Caçado existe só como desculpa para que Friedkin possa explorar os ambientes onde a ação se passa e colocar em ação elementos do seu estilo. Da mesma forma o ótimo elenco (Tommy Lee Jones, Benicio Del Toro, Connie Nielsen) precisa se virar para dar alguma personalidade aos seus personagens, já que para o diretor se interessa por eles muito mais como tipos; corpos a serem postos em determinadas situações. Assim como se a relação pai/filho ou brutalização do personagem de Del Toro coincidem por vezes com a mise en scene de Friedkin, eles existem mais como uma sugestão que nunca chega a ser desenvolvida de fato. Tudo isso pode a priori parece um entrave para apreciar o filme, mas trata-se só de uma questão de adaptação já que Friedkin mais do que compensa por isso.

Ambos os personagens centrais de Caçado são homens treinados para se guiar/caçar por qualquer território. Esta é a informação mais importante que receberemos sobre eles. O óbvio modelo do filme é O Fugitivo, um thriller competente feito pelo Andrew Davis em 93. Naquele filme a ênfase era na perseguição; aqui a ênfase é nas habilidades dos dois homens para perseguir/se esconder um do outro. Há diversos terrenos em Caçado. O filme se coloca numa constante necessidade imaginar que tipo de habilidade cada um dos dois homens terá que demonstrar para se guiar por ele. Ou seja que tipo de habilidade o próprio Friedkin terá que demonstrar para inventar a partir destes ambientes novas situações. Floresta, catarata ou a grande cidade. Todos estes espaços são transformados pelas câmeras do cineasta, de forma que as possibilidades arquitetônicas e a confusão da metrópole e a aparente calmaria e constante verde da floresta se tornam parte de um mesmo jogo com as mesmas regras de sobrevivência.

Para isso é vital o trabalho de construção de clima de Friedkin. Como sempre há uma aposta num realismo direto e violento (que nunca se desvia dos detalhes mais grosseiros). O filme se constrói num ritmo incessante onde uma cena de ação se segue à outra (e vale dizer que os piores momentos do filme são justamente quando ele inclui cenas de exposição ou de desenvolvimento de personagem). Friedkin propositadamente mantém os elementos reduzidos ao mínimo e se livrando o mais rápido possível de qualquer coisa que não seja essencial (o que basicamente se resume a Jones, Del Toro e as locações). O resultado é um exercício saboroso de exploração de terrenos.

Filipe Furtado